Título: Gado com notas frias
Autor: Vasconcelos, Adriana e Jungblut, Cristiane
Fonte: O Globo, 15/06/2007, O País, p. 3

SUCESSÃO DE ESCÂNDALOS

Presidente do Senado, Renan teria forjado venda de vacas para justificar despesas.

Asituação do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), se complicou ontem com a denúncia veiculada pelo "Jornal Nacional", da Rede Globo, de que ele usou notas fiscais frias sobre venda de gado para justificar despesas pessoais, especialmente depósitos feitos para a jornalista Mônica Veloso, com quem tem uma filha de 3 anos. Renan é suspeito de ter tido despesas pagas pelo lobista Cláudio Gontijo, da empreiteira Mendes Júnior. A denúncia sobre as notas frias desmonta a defesa do senador, que apresentara os documentos para dizer que, nos últimos quatro anos, tivera ganhos de R$1,9 milhão com a venda de gado e, portanto, teria como fazer depósitos para Mônica.

Ao procurar os donos e ir ao endereço das empresas que teriam emitido as notas fiscais apresentadas por Renan em sua defesa, os repórteres do "Jornal Nacional" encontraram indícios de uma série de irregularidades. Um dos sócios da Carnal Carnes de Alagoas, João Teixeira dos Santos, de 82 anos, por exemplo, negou ter comprado gado de Renan Calheiros. O senador apresentara três recibos da empresa, no valor de R$127 mil. João Teixeira dos Santos disse que jamais deu cheque e que nunca comprou animais de Renan.

- Não, nunca (comprei) - disse João Teixeira dos Santos.

Renan é dono de três fazendas em Alagoas e arrenda outras três. Segundo ele, 1.700 cabeças de gado são criadas nessas terras, todas vizinhas, que teriam rendido R$1,9 milhão nos últimos quatro anos. Mas o gerente da fazenda, Everaldo de Lima Silva, disse à TV Globo que o número é bem menor, de 1.100 cabeças.

A empresa GF da Silva Costa teria comprado gado no valor de R$164 mil, pelo documento que Renan entregou ao Senado. O dono, Genildo Ferreira, porém, está com o CPF suspenso na Receita Federal, e ele não foi localizado no endereço dado como o da sede da empresa. A atual moradora disse ao "Jornal Nacional" que no local nunca funcionou uma empresa de compra de carne. A empresa foi multada em R$680 mil por extravio de notas, e cinco recibos apresentados por Renan são de datas posteriores ao fechamento da empresa.

O contador Roberto Gomes de Souza, que trabalhou tanto para a Carnal como para a GF da Silva Costa, disse que não lembra de negócios das duas empresas com o senador.

Outra empresa, a Stop Carnes, é um pequeno açougue. Os recibos mostram que Renan Calheiros teria vendido R$47 mil em gado ao açougue. Elzir de Souza Silva, dono da Stop Carnes, confirmou a venda, mas não soube dizer o valor e nem o número de recibos.

- Você me vende o boi. Sei lá se é do Renan Calheiros ou não. Eu paguei a você. Tô comprando de você. Agora se você está atrás de Renan Calheiros, não sei como. Nem conheço ele. Já viu pobre conhecer rico? - disse Elzir de Souza Silva.

Renan diz não ser responsável por empresas

O açougue São Jorge seria o maior comprador do senador, na versão de Renan. Os recibos da transação estão em nome da MW Ricardo da Rocha, uma microempresa, que teria comprado R$429 mil em gado. A empresa, porém, declarou faturamento de apenas R$23 mil no ano passado.

De acordo com o cadastro da Secretaria de Fazenda do Estado de Alagoas, os donos de três das seis empresas para as quais Renan diz ter vendido gado moram no bairro de Rio Novo, periferia de Maceió. Duas dessas empresas já tinham sido multadas por extravio de notas fiscais.

Renan não quis se pronunciar sobre as denúncias. Em sua defesa, o senador mandou dizer que tem como comprovar a venda de gado, por meio de notas fiscais e guias de transporte animal. Ao "Jornal Nacional", o senador afirmou que todo o dinheiro foi depositado em sua conta pessoal e que os negócios foram feitos pelo veterinário Gualter Peixoto, que trabalha para ele em Alagoas. Peixoto seria chefe do setor de Vigilância Sanitária da prefeitura de Muricy, em Alagoas, segundo o colunista Ricardo Noblat informou em seu blog no Globo Online. O prefeito da cidade é Renan Calheiros Filho.

Renan disse ainda não ter responsabilidade se empresas fraudam o Fisco. Sobre o tamanho de seu rebanho, Renan disse que seu gerente "é peão da fazenda e não tem noção do tamanho do rebanho". Após a veiculação das denúncias, a assessoria de Renan disse que ele não deve comparecer ao Conselho de Ética hoje, que se reúne para analisar o caso. Até ontem, antes das denúncias de uso de notas frias, a tendência era pelo arquivamento do caso.