Título: Por que Lula e o PT apóiam a censura de Chávez?
Autor: Frossard, Denise
Fonte: O Globo, 15/06/2007, Opinião, p. 7

TEMA EM DEBATE: Venezuela

Na Venezuela de Hugo Chávez, um canal de TV há 53 anos em atividade - RCTV - foi fechado, sem que qualquer justificativa convincente viesse ao amparo do ato que cassou sua licença para funcionamento. A não-renovação do ato, ao que se sabe, teria obedecido ao figurino legal daquele país, mas vem provocando enorme discussão internacionalmente, porque a RCTV era um dos poucos meios de comunicação na Venezuela que divergia da política do presidente Chávez.

Mas, afinal, por que isto deveria nos interessar aqui no Brasil, já que se trata da história da Venezuela?

Isto só passa a nos interessar porque, primeiro, um assessor especial da Presidência da República, Marco Aurélio Garcia, correu ao amparo do ato de Chávez, dizendo que está tudo bem com a mídia e a democracia na Venezuela.

Confesso que eu não dei importância ao que ele disse, porque não vi nas palavras do assessor especial o poder de abalar o país com sua declaração, muito embora eu penso ser sempre inconveniente qualquer assessor falar mais grosso ou com mais força do que aquele a quem ele assessora. Mas, logo a seguir, o Partido dos Trabalhadores, em nota pública, colocou-se em defesa do presidente Chávez, no mesmo caso de cancelamento da concessão de funcionamento da rede de televisão RCTV, e, aí, já começa a nos interessar, porque se trata do partido que governa o Brasil, o partido do presidente da República, pronunciando-sede maneira formal! E, para turvar mais ainda as águas (será que só para mostrar que elas são turvas?), o próprio presidente Lula entrou na questão, lá da Alemanha, onde cumpria agenda de chefe de Estado, para se colocar também de acordo com o ato de Chávez de não renovar a concessão da RCTV.

Como convém lembrar, frise-se que a RCTV era praticamente a única TV que ousava divergir do presidente Chávez, e, este, como é notório, não se mostra acostumado à prática democrática do direito de divergência, do exercício do contraditório. Como Hitler, Chávez tentou chegar ao poder através de um golpe que fracassou. Na seqüência, mas ainda exatamente como Hitler, Chávez buscou o caminho da legalidade, ao concorrer e ganhar a presidência de seu país prometendo combater a centenária desigualdade social.

Já no cargo de presidente da Venezuela, para dar cumprimento à promessa de campanha, implantou uma política social e econômica de mera transferência de renda e, a partir dela, foi se fortalecendo sempre pelo voto dessa imensa maioria de excluídos do processo de produção de riquezas, que não consegue alcançar a tragédia que se anuncia quando as rendas do país se tornarem insuficientes para atender essas doações...

Daí a toda evidência de não se tratar de um singelo ato de não-renovação da concessão de funcionamento à RCTV, mas, uma vez mais exatamente como Hitler, de absoluta intolerância ao contraditório, que era oposto exatamente por aquela rede de TV Venezuelana, a RCTV. É o que se entremostra por trás de tudo isto.

Pois muito bem. A partir dessa constatação e das declarações do partido do governo e do próprio presidente da República do Brasil, no sentido de que o ato do presidente Chávez de cassar a concessão de uma rede de TV que estava em funcionamento há mais tempo do que o período sacro de bodas de ouro e que dele divergia, é um ato democrático, há uma pergunta que não quer calar: o presidente Lula, amparado pelo seu partido, o PT, quer fazer a mesma coisa aqui no Brasil?

Os partidos da base que lhe dão sustentação no poder, principalmente o PMDB, estão de acordo com isto? E as forças de oposição, o que pensam fazer, caso isto aconteça aqui no Brasil?

São perguntas que devem e têm que ser respondidas ao povo brasileiro, para que ele possa ser esclarecido. Afinal, é desse processo de esclarecimento que o voto é conduzido mais adiante, é a partir desses esclarecimentos que os eleitores respondem.

Mas, seja como for, convém ao povo brasileiro, desde já, colocar suas barbas de molho? Este é mais um convite à reflexão, com as coisas nos seus devidos lugares.

DENISE FROSSARD é juíza aposentada.