Título: Renan muda versão e agora culpa Zoraide
Autor: Franco, Ilimar e Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 16/06/2007, O País, p. 12

SUCESSÃO DE ESCÂNDALOS: Dona de frigorífico diz que comprava gado, pagava em cheques e não emitia recibos.

Em menos de 24 horas, senador disse que quem cuidou das notas foi veterinário e, depois, uma comerciante de 84 anos.

BRASÍLIA. Menos de 24 horas depois do surgimento das denúncias de que teria usado notas frias na venda de gado, o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), adicionou ontem uma nova personagem à sua defesa: a dona do frigorífico Mafrial, Zoraide Beltrão, descrita como uma mulher de 84 anos, que costuma fazer negócios armada e faz a intermediação da venda de gado em Maceió. A comerciante, segundo Renan, é que seria a verdadeira responsável pela emissão de algumas das notas fiscais de empresas inativas ou que foram autuadas pelo extravio de notas fiscais.

Anteriormente, o senador dissera ao "Jornal Nacional" que o responsável pelas vendas de gado de suas fazendas era o veterinário Gualter Peixoto, que trabalha para ele. Já Zoraide afirmou que comprava de Peixoto. Ele seria secretário de vigilância sanitária em Murici, cujo prefeito é Renan Calheiros Filho.

Ontem, em entrevista ao "Jornal Nacional", Zoraide Beltrão disse que comprava gado das fazendas de Renan Calheiros, mas que não tem qualquer recibo dos negócios. Segundo ela, as empresas cujos recibos foram apresentados pelo senador não existem mais. É o caso da Carnal Carnes de Alagoas.

Renan apresentou três recibos da Carnal, no valor de R$127 mil. Um dos donos, João Teixeira dos Santos, disse que nunca deu cheque nem comprou animais do senador. Zoraide disse que duas empresas citadas por Renan não existem mais. Perguntada sobre a Carnal, Zoraide respondeu:

- Não existe mais. Há muito tempo. Não sei se morreu, desapareceu há muito tempo.

"Já entrou aqui muita carne dele", diz comerciante

Zoraide disse que a empresa GF da Silva Costa também não existe mais. Renan apresentou recibos indicando que a empresa teria comprado gado no valor de R$164 mil. O dono, Genildo Ferreira, está com o CPF suspenso na Receita Federal, e ele não foi localizado no endereço dado como o da sede da empresa.

Zoraide disse ainda que fazia negócios com as fazendas do senador e que sempre pagava em cheque. E afirmou não ter recibos.

- Já entrou aqui muita carne dele - disse Zoraide.

Com uma centena de folhas debaixo do braço, Renan tentou contestar a reportagem do "Jornal Nacional". O senador percorreu gabinetes, mostrando suas provas aos senadores. O líder do governo no Senado, Romero Jucá (PMDB-RR), entregou o calhamaço para o relator do caso no Conselho de Ética, o senador Epitácio Cafeteira (PTB-MA).

Esses documentos, que não foram divulgados nem incorporados ao relatório de Cafeteira, serão agora, conforme decisão adotada ontem à noite pelo presidente do Conselho de Ética, Sibá Machado (PT-AC), alvo de perícia da Polícia Federal, que terá de confirmar ou não a autenticidade dos papéis. Sibá ligou para o diretor da PF, Paulo Lacerda, e requisitou um perito. O trabalho será feito de forma conjunta, entre a PF e um perito da Secretaria de Controle Interno do Senado.

Sibá pediu a Paulo Lacerda que a perícia seja feita o mais rápido possível, já que os conselheiros querem concluir o processo de votação na terça-feira.

- Espero estar com os documentos até por volta do meio-dia da próxima terça-feira - afirmou Sibá.

Entre os papéis, cheques, recibos e notas fiscais

Segundo o relato de senadores que viram os documentos, Renan mostrou as Guias de Transporte Animal (GTA) que comprovariam não apenas a quantidade de rezes vendidas como também o tamanho de seu rebanho. Para cada uma das transações, o senador teria apresentado, segundo seus aliados, nota fiscal, recibo, cheque nominal do comprador, comprovante de depósito em conta corrente, extrato da conta corrente com o depósito, recolhimento de impostos e com registro da transação no Imposto de Renda.

Ainda para comprovar o tamanho de seu rebanho, o senador anexou documentos relativos à vacinação do gado contra a febre aftosa num período de quatro anos, como notas fiscais de compra das vacinas.

Em sua defesa, o presidente do Senado especulou que Zoraide usava as notas frias, de empresas inativas ou autuadas pelo extravio de notas, por razões fiscais. Argumentou ainda que ele não poderia ser responsabilizado por crimes fiscais ou tributários eventualmente cometidos por terceiros. Renan também minimizou a declaração do gerente de uma de suas três fazendas, Everaldo de Lima Silva, de que ele tinha 1.100 cabeças de gado e não 1.700, alegando que ele não tem a dimensão do tamanho do rebanho.