Título: Saturno devora
Autor: O Globo
Fonte: O Globo, 17/06/2007, O Globo, p. 2

No Senado, o drama de Renan Calheiros. Na Câmara, os dilemas da reforma política. O governo ajuda o primeiro, mas guarda distância da reforma. É mais seguro, é mais cômodo. "Em tudo há riscos, mas o maior deles é deixar tudo como está". Quem diz é o governador Marcelo Déda (PT-SE), com a vivência de dois mandatos como deputado antes de se tornar prefeito e, agora, governador. - Eu até compreendo as cautelas do Planalto. Afinal, esta é uma tarefa de todo o Congresso, de todos os partidos, e não da coalizão governista. Mas, se eu lá estivesse (no Congresso), estaria me batendo por uma saída desse impasse. Nada é mais perigoso do que nada mudar neste sistema. A reforma política é o PAC da democracia, vacina contra estas crises que ameaçam a governabilidade e a saúde democrática.

Se algum mito serve à comparação com nosso sistema político-eleitoral, diz ele, é o de Saturno, aquele que devorava seus filhos tão logo nasciam.

- Há pouco tempo foram devorados importantes quadros do PT, tão logo o partido chegou ao governo. Agora, o dragão ameaça um grande nome do PMDB.

Outros partidos já deram ou darão sua cota de sangue, ninguém se iluda. O monstro, diz Déda, sofre de patologias múltiplas: indisciplina e infidelidade nos partidos, individualismo exacerbado dos candidatos, usufruto pessoal dos mandatos, dependência química de financiamento privado, distanciamento do eleitor, desrespeito à sua vontade. Resultado: descrédito para o Legislativo, instabilidade para o Executivo. Presidentes jamais vão tirar a maioria das urnas, por mais votados que sejam. Terão que construí-la depois, à custa de cargos, loteamentos e liberações de emendas. Defensor da lista partidária fechada, Déda estranha o argumento de que o sistema fortaleceria os caciques, que teriam poder para nela pôr e tirar nomes.

- E no voto distrital, quem escolherá os candidatos nos distritos? Nos partidos oligárquicos serão os caciques. Nos mais orgânicos, serão os filiados ou os convencionais. A lista pura, creio, traria vida inteligente e participativa aos partidos. Mas meu ponto agora é evitar o colapso da reforma. Quando partidos ideologicamente distintos como o DEM e o PT se unem pela reforma, é sinal de que ela se tornou imperativa. Para dar um passo grande esta semana, os partidos precisam tomar como premissa o fim do vício no dinheiro privado - receita o governador de Sergipe.

Mas também isso, que já foi consenso, começa a não ser.