Título: Lei de Improbidade para quem?
Autor: Gripp, Alan e Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 17/06/2007, O País, p. 3

Em 15 anos, 14 mil ações, e menos de 7% das autoridades processadas foram condenadas.

Os escândalos de corrupção pipocavam quando uma nova lei surgia como tábua de salvação. A partir de 1992, ano do impeachment de Fernando Collor de Mello, todo agente público flagrado recebendo propina, desviando recursos ou enriquecendo à custa desses crimes estaria sujeito a penas mais duras e responderia por isso na Justiça comum. Sem privilégios. Passados 15 anos, a Lei de Improbidade Administrativa debuta deixando as promessas para trás e se consolidando como a mais nova marca da impunidade no país, tema de uma série especial de reportagens que O GLOBO começa a publicar hoje.

Embora não haja estatísticas oficiais, um cruzamento de dados inédito revela que menos de 7% das autoridades processadas por improbidade administrativa foram condenadas - quase sempre políticos de pouca expressão. Desde 1992, foram movidas cerca de 14 mil ações desse tipo em todo o país, a grande maioria ainda sem decisão final. O resultado foi a condenação de pelo menos 1.035 agentes públicos, hoje com seus direitos políticos suspensos. O número de punições consta da última atualização do banco de dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), feita sexta-feira.

- A verdade é que a Lei de Improbidade não está sendo eficaz. Num sistema judicial tão complexo, com tantas possibilidades de recursos, a lei só condena os mais frágeis, os pobres, os que não têm condição de constituir defesa - diz o presidente da Associação Nacional de Membros do Ministério Público, José Carlos Cosenzo.

Ironicamente, meses depois de sancionar a Lei de Improbidade, Fernando Collor tornou-se seu primeiro alvo. O caso é um emblema da ineficácia da legislação. O ex-presidente foi processado por um conjunto de procuradores em 1993, sob acusação de envolvimento com o Esquema PC e uso de notas frias para justificar recebimento de dinheiro de grandes empreiteiras, repassado ao ex-tesoureiro de campanha Paulo César Farias. Desse processo nasceram duas ações que, 14 anos depois, ainda se arrastam no Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

Collor foi absolvido na primeira instância em 1997, mas o Ministério Público Federal recorreu. No TRF, onde são julgados os recursos, uma das ações chegou a entrar na pauta para julgamento definitivo em 2000, mas foi retirada a pedido de um desembargador. Desde abril do ano passado, os dois processos estão parados.

- É um processo simbólico, mostra que a tradição jurídica brasileira não desenvolveu mecanismos eficazes para julgar essas ações - diz o presidente da Associação Nacional dos Procuradores da República, Antônio Carlos Bigonha, um dos autores da ação.

A lista de políticos de primeiro escalão processados por improbidade é extensa. Nela estão os ex-governadores do Rio Anthony Garotinho (PMDB), Benedita da Silva (PT) e Marcello Alencar (PSDB). Entre os políticos punidos, a maioria é do interior.

Exceção é o deputado Paulo Maluf (PP-SP). Em 1994, quando prefeito de São Paulo, ele foi denunciado pelo Ministério Público por pagar com dinheiro do município a publicação de um informativo de interesse particular. No ano seguinte, ele foi sentenciado a devolver o dinheiro aos cofres públicos. Eram R$68.726. Também deveria pagar multa de valor ainda não calculado. No entanto, Maluf ainda não pagou a quantia. Na semana passada, fez, em vão, uma derradeira tentativa de livrar-se da pena no STF. A corte ordenou o pagamento imediato.

O ex-ministro da Ciência e Tecnologia Ronaldo Sardenberg também foi condenado em processo de improbidade administrativa a devolver R$20 mil ao erário e à perda dos direitos políticos. Em 2002, Sardenberg viajou a lazer a Fernando de Noronha em um jato da FAB. O ex-ministro ainda se hospedou em um alojamento militar. Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) derrubou a condenação do ex-ministro. No julgamento, a maioria dos integrantes da corte defendeu que agentes públicos não podem ser enquadrados na Lei de Improbidade Administrativa porque já estão sujeitos à Lei de Responsabilidade.

O autor da tese e seu maior defensor é o ex-ministro Nelson Jobim, já aposentado do STF. O placar do julgamento semana passada foi apertado - seis votos a cinco -, e tem grande chance de ser revertido quando o plenário reexaminar o assunto. Isso porque três dos seis adeptos da tese vencedora já se aposentaram. Um outro do time oposto também já não está na composição atual do tribunal. Entre os ministros novos, três já deram indícios de que votariam em defesa da aplicação da Lei de Improbidade Administrativa a deslizes de autoridades à frente de cargos públicos.

Apesar de não ter dado muitos resultados concretos nos últimos 15 anos, a legislação tem defensores no meio jurídico. Para alguns, ela ainda pode ser considerada a arma mais poderosa no combate à corrupção. A culpa da ineficácia prática da lei estaria na falta de estrutura dos tribunais para atender à enorme demanda.

- A Lei de Improbidade tem trazido bons frutos - avalia o ministro Joaquim Barbosa, do STF.