Título: Os elos entre escândalos do dossiê e Xeque-Mate
Autor: Farah, Tatiana e Aggege, Soraya
Fonte: O Globo, 17/06/2007, O País, p. 8

Bingos e contadora aparecem nos dois casos; PF ainda não apontou origem do R$1,7 milhão apreendido com petistas.

SÃO PAULO. Uma montanha de dinheiro é também uma imagem da impunidade no país. Nove meses depois, a Polícia Federal não apontou a origem do R$1,7 milhão apreendido com petistas na campanha eleitoral do ano passado, que seria usado para comprar um dossiê contra o então candidato tucano ao governo de São Paulo, José Serra. Os envolvidos, chamados de aloprados pelo presidente Lula, foram denunciados à Justiça, mas não foram punidos. Em outro escândalo mais recente, apurado pela Operação Xeque-Mate da PF, são novamente investigados donos de bingos - suspeitos, no caso do dossiê, de terem fornecido parte do dinheiro - e é citada uma contadora que presta serviços ao PT paulista.

Fontes próximas a Dario Morelli Filho, compadre do presidente Lula preso na Xeque-Mate, dizem que a maior parte dos R$662 mil que circularam na conta bancária dele, ano passado, é dinheiro de campanha do PT. Sócio do ex-deputado Nilton Cezar Servo, acusado pela PF de comandar a máfia dos caça-níqueis em Mato Grosso do Sul e outros estados, Morelli saiu da prisão de Campo Grande, quarta-feira passada, prometendo explicar de onde tirou tanto dinheiro, uma quantia muito acima de seus rendimentos.

PF investiga a Systema Contábil

Na quinta-feira, Morelli se calou como os petistas Gedimar Passos e Valdebran Padilha, que foram presos com o R$1,7 milhão, em setembro passado, no Hotel Ibis, em São Paulo.

O próprio Morelli deu duas pistas que estão sendo analisadas por investigadores da PF que conduziram o inquérito da compra do dossiê contra Serra: jogos e a empresa Systema Contábil.

- Nunca descartamos que o dinheiro usado para comprar o dossiê tenha vindo do bingo, tanto do Rio de Janeiro como de São Paulo - disse o delegado da PF Diógenes Curado, responsável pelo caso dos aloprados.

Curado explicou, porém, que as investigações foram prejudicadas porque as cédulas apreendidas com os petistas no Hotel Ibis, tanto as de dólar quanto de real, eram de difícil rastreamento, por não serem seriadas. Com isso, não se pôde confirmar a origem do dinheiro apreendido em São Paulo com Valdebran Padilha e Gedimar Passos, presos pelo delegado da PF Edmilson Bruno antes de completarem a compra do dossiê montado pelo dono da empresa Planan, Luiz Antonio Vedoin.

Em seu depoimento à PF no dia 5 deste mês, em Campo Grande, onde ficou preso, Morelli disse que sua contadora, Neli Chaves do Amaral, poderia explicar a sua movimentação bancária e nominar os clientes de sua empresa, a Dario Morelli Filho ME, especializada em alugar e realocar carros para o PT durante campanhas eleitorais. O GLOBO procurou Neli, que é sócia-proprietária da Systema Contábil, o outro elo entre Morelli e investigados no caso do dossiê contra tucanos.

No relatório final da CPI dos Sanguessugas, concluído ano passado, há uma recomendação de que fosse investigada a ligação da Systema Contábil com o PT, mas nenhuma acusação contra ela.

Neli diz que foi citada nas investigações da PF porque o petista Hamilton Lacerda, que trabalhou na campanha ao governo de São Paulo do senador Aloizio Mercadante (PT), usou um celular alugado em nome dela.

- Trabalho para o diretório estadual do PT. Aluguei alguns celulares para o partido, não sabia quem estava usando. Não tenho nada a ver com essas empresas - disse a contadora.

Antonio Carlos, contador da empresa de Neli, disse ao GLOBO que a empresa nunca foi procurada pelos parlamentares da CPI dos Sanguessugas.

Neli contou que é amiga de Dario Morelli Filho há 30 anos, mas que nem sabia se ele tinha aberto uma conta bancária em nome da empresa de locação de carros. Segundo ela, em 2001 Morelli tinha uma empresa de distribuição de revistas, mas mudou a finalidade da empresa para locação de carros. A firma de dedicava a fazer campanhas eleitorais. Seu faturamento foi de R$42,6 mil, em 2005, e de R$278 mil, em 2006.

A contadora desmentiu o depoimento de Morelli à Polícia Federal. O compadre de Lula dissera que Neli poderia explicar a diferença entre seu faturamento e sua movimentação bancária nos dois últimos anos (R$320 mil em 2005 e R$662 mil em 2006), além de relacionar os seus clientes.

- Ele não me passava as notas. Eu só preenchia o Darf (Documento de Arrecadação de Receitas Federais) - afirmou Neli, dizendo que também não cuidou da contabilidade pessoal de Morelli.

A contadora também negou, sexta-feira à tarde, que tenha sido procurada por Dario Morelli Filho, depois que ele saiu da cadeia, ou mesmo pelo advogado do compadre de Lula.

- Ninguém me procurou. Eu soube que o Dario saiu da prisão pela imprensa - disse ela, por telefone.

A empresa de Morelli é citada três vezes na prestação de contas entregue ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ano passado, pela campanha do senador Aloizio Mercadante ao governo paulista. As três notas fiscais somam R$187,5 mil em locação de veículos. A Dario Morelli Filho ME também emitiu três notas fiscais para o Comitê Único de Campanha do diretório do PT paulista em 2006, somando R$45,7 mil. O nome da despesa é "locação/cessão de bens".

PT diz a Morelli para não falar

A assessoria de imprensa de Mercadante afirmou que a relação entre Morelli e a campanha está explícita na prestação de contas entregue ao TSE, ou seja, tratou-se mesmo de locação de veículos. O GLOBO tentou localizar o tesoureiro da campanha, o ex-secretário nacional de Segurança Alimentar José Giácomo Baccarin, mas ele não foi encontrado.

Morelli se reuniu com membros da direção do PT estadual na última quinta-feira, e foi orientado a não dar entrevistas. O advogado de Morelli, Milton Fernando Talzi, disse que seu cliente ainda não pretende se manifestar, nem mesmo para explicar suas movimentações financeiras.

- Ele fará primeiro uma verificação contábil para, depois, talvez se manifestar - disse Milton Talzi, na última sexta-feira.