Título: Morosidade da Justiça dificulta aplicação da lei
Autor: Freire, Flávio
Fonte: O Globo, 17/06/2007, O País, p. 10

Sofisticação dos crimes financeiros complica investigação

BRASÍLIA. A dificuldade para interpretar a lei e a velocidade com que os crimes financeiros se modernizam são vistas como os maiores obstáculos para penalizar quem quer que seja.

- A evasão de divisas que era feita por fronteiras chegou às CC-5 e agora é realizada pelo "dólar-cabo", esquema feito entre doleiros de diferentes países - diz o procurador da República Celso Antônio Três, que esteve à frente das investigações sobre fraudes no Banestado que desviaram mais de US$20 bilhões para os Estados Unidos.

A morosidade da Justiça também explica a dificuldade de aplicação da lei. Pesquisa da Associação Brasileira dos Magistrados revela que 83% dos três mil associados consideraram a demora para o fim do processo a responsável pela impunidade.

- Há excesso de normatização. A lei, na verdade, é um instrumento pouco confiável se não houver uma cultura jurídica que efetive normas para acabar com a impunidade - analisa o desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo José Renato Nalini.

Faltam mecanismos para aprimorar investigação

Paralelamente ao avanço da criminalidade financeira, órgãos fiscalizadores como polícia, MP e Justiça Federal sofrem com a falta de mecanismos que aprimorem as investigações. Sem eles, crimes envolvendo informações privilegiadas na Bolsa de Valores, por exemplo, são de difícil entendimento por parte na malha judiciária.

- Toda a prova que se precisa em relação a esses crimes demanda, por parte da polícia, do MP e do juiz, conhecimento de mercado financeiro, informática, mercado de capitais, operações cambiais. As atividades financeiras se tornaram mais complexas em função da globalização - diz a subprocuradora Ela Wiecko Castilho, para quem uma outra dificuldade reside no fato de a autoria dos crimes ser diluída entre as figuras física e jurídica do autor.

Com isso, juízes e procuradores precisam criar periodicamente jurisprudência para tratar as novidades em relação a esses crime. Não há, por exemplo, qualquer interpretação para o chamado "day-trade", que envolve a compra e venda de ativos via bolsas de mercadoria sem registro formal no BC.

- Esse crime é de altíssima especialidade técnica. Até para descrever essa conduta num processo é muito complexo - diz o presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças, o advogado Jairo Sadii.

A posição social é uma das armas de empresários, banqueiros e agentes do mercado financeiro para evitar sanções. A proliferação de paraísos fiscais e o sigilo bancário são outros fatores que dificultam a fiscalização e retardam investigações. Hoje, brasileiros mantêm bilhões fora do país em contas submetidas a leis estrangeiras, dificultando a repatriação dos recursos.