Título: 'Em toda sociedade, há corrupção. Mas é preciso que a resposta venha'
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 17/06/2007, O País, p. 12

Filósofo diz que crise é positiva, desde que acompanhada de mudanças

O filósofo Danilo Marcondes, que lançou em março um livro sobre ética, vê com otimismo, o que surpreende para um filósofo, aquilo que todos enxergam com desesperança. Crise ética e escândalos em seqüência são, para ele, uma oportunidade única de se discutir ética. Danilo só lamenta que o debate sobre ética não venha acompanhado da punição dos envolvidos. Para ele, a impunidade põe em risco uma chance inédita de mudança.

Com tantos escândalos, um emendado ao outro, o Brasil tem salvação?

DANILO MARCONDES: Com freqüência, se discute a crise ética com certa nostalgia. Parece que as coisas pioraram. Como se, no período anterior, vivêssemos os bons tempos e, hoje, um declínio, decadência. Duvido um pouco dos bons tempos. Se formos olhar na História, a crise ética já estava presente na Atenas de Sócrates. A nostalgia não resolve nada. A nossa perspectiva deve ser o que se pode fazer daqui para diante. No passado, talvez houvesse menos divulgação dos problemas, mais controle. É positivo quando se fazem denúncias e quando elas podem atingir todo mundo. Isso tira a idéia da sacralidade, de certas posições que não podem ser questionadas. Não há soluções rápidas para problemas de valores, de consciência, de toda uma sociedade. É uma questão de gerações.

Por que a grande maioria da sociedade não tem esta mesma percepção da crise?

MARCONDES: A crise é positiva. O problema é a impunidade. Se há discussão sem resposta, vem o sentimento de descrédito, de decepção com algo que começou e não foi adiante. Em qualquer sociedade, vai haver corrupção, transgressão. Mas é preciso que a resposta venha. Quando eu cobro, quero que alguma coisa aconteça. Não acredito que os governos e o Judiciário sejam piores do que a sociedade. Eles refletem a sociedade. E cabe a ela a cobrança para que estas instituições melhorem.

O brasileiro está perdendo a noção do certo e do errado?

MARCONDES: A crise ética vem do início da modernidade, quando a sociedade se tornou mais complexa e pluralista. Quando as comunidades eram pequenas, como em Atenas na época de Sócrates, havia corrupção, mas a comunidade era menor e os valores eram mais claros. Sabia-se o que estava sendo transgredido. No período moderno, século 16 e 17, sobretudo com a Revolução Industrial, houve mudanças muitos rápidas, que geraram perda ou falta de referência. Fica difícil decidir o que é certo ou errado, o que é bom ou ruim. Há valores diferentes convivendo numa mesma sociedade. A ética urbana é diferente da ética do interior. Hoje, há grandes discussões em bioética, porque nos últimos 20 anos as descobertas no campo da medicina e de engenharia genética geraram problemas que até então se desconhecia.

A sociedade brasileira é demasiadamente tolerante?

MARCONDES A sociedade sempre foi assim. É positivo, no sentido de que tende a passar a mão da cabeça da pessoa e entender, mas há um limite para isso. Se afeta a convivência social, um projeto de país, de consolidação política e de reformas sociais, é complicado. Tolerância com um crime, por exemplo. Tem que olhar com cuidado.

Qual seria a saída para a crise, o fim da impunidade?

DANILO MARCONDES É preciso ter clareza sobre os valores, que as pessoas saibam colocar claramente no que elas acreditam. Muitas vezes falam em relativismo. Tem que separar relativismo (convivência com diferentes grupos e valores) de diluição de valores. O Brasil teve uma formação ao longo da colônia em que, muitas vezes, houve risco de diluição. Chico Buarque disse que não há pecado do lado debaixo do Equador. Havia um pouco disso na formação de nossa sociedade, escravocrata. Não sou fatalista, de achar que isso não tem jeito. Acho que muda, mas com educação, emprego, discussão das questões, amadurecimento. As sociedades que hoje vemos como desenvolvidas também passaram pelo mesmo processo.

E se não resolvermos a questão da impunidade?

MARCONDES: Vamos perder a chance de melhorar a qualidade de nossas instituições, de nossos políticos. Nossas instituições precisam melhorar a sua qualidade. O debate ajuda para isso. A transparência se amplia. Nas últimas eleições, alguns políticos não foram reeleitos. Alguma memória o eleitor reteve. Quanto se transgride a norma, tem que ter conseqüência e penalidade, interface com a questão jurídica. A punição tem de ser exemplar, para evitar que os outros achem que vale a pena. Por isso, ela é importante. É um reforço das normas e mostra que é para valer. Mas é apenas um passo. Se não tiver normas, valores, leis que sejam reconhecidas como contribuindo para melhorar a qualidade de vida, só punição não basta. Se entendo que respeitar o sinal é contribuir para melhorar a minha qualidade de vida, aí vou ter atitude diferente. O grande desafio é perceber que as normas podem contribuir para melhorar a nossa qualidade de vida. É preciso que as pessoas entendam isso. Não estou estabelecendo porque quero mandar, mas que vai melhorar as condições de todos nós. Os processos punitivos são importantes, mas são um passo apenas.