Título: Lula tenta manter distância de sua família-problema
Autor: Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 17/06/2007, O País, p. 15

Conflito com parentes vem desde o movimento sindical.

BRASÍLIA. Na véspera de assumir a Presidência da República, em 31 de dezembro de 2002, Luiz Inácio Lula da Silva teve um encontro com os parentes que viajaram de Garanhuns e São Paulo em caravana à capital federal para assistir a sua posse. Na conversa, como um balde de água fria, Lula mandou um recado premonitório para irmãos, sobrinhos, primos e tios:

- Sou presidente não para ajudar a família, mas para ajudar o Brasil.

Lula também os alertou sobre os riscos da proximidade com o poder. Mas na avaliação de amigos, ele deveria ter sido muito mais duro e deixar bem claro aos parentes que deveriam ser cuidadosos com tentativas de lobby.

O presidente e a família vivem uma relação de conflito antiga, desde que ele virou um influente líder sindical no fim dos anos 70. Com vidas difíceis, assistindo à trajetória de Lula pelo noticiário, os parentes costumam reclamar que o integrante mais ilustre da família Silva sempre foi distante e quase nunca os ajudou. As críticas cresceram quando Lula virou presidente.

Reclamações sobre pedidos de favores são constantes

Já Lula sempre demonstrou desconforto e contrariedade com o comportamento da família. Não é de hoje que costuma reclamar dos pedidos constantes de emprego, ajuda financeira e favores, como se fosse a única tábua de salvação.

- Lula sofre muito com a incompreensão da família e com o comportamento dos seus parentes, que não levam em conta que ele virou presidente - resume o deputado Devanir Ribeiro, amigo de Lula e da família Silva.

A crise familiar ficou explícita no episódio envolvendo o irmão do presidente, Genival Inácio da Silva, o Vavá, que em escutas telefônicas da Operação Xeque-Mate aparece numa tentativa fracassada de lobby. Na intimidade, Lula costuma falar que os parentes lhe causam muitos problemas. Por isso, se já não tinha grande proximidade antes de ser presidente, manteve distância ainda maior depois da posse.

De acordo com amigos, são 15 irmãos vivos. Mas Lula só tem proximidade com os seis que são filhos de sua mãe, dona Lindu, já falecida. Com os por parte de pai, o presidente praticamente não tem contato. Quem acaba fazendo o papel de conselheiro da família Silva é o irmão José Ferreira de Melo, o Frei Chico.

- O Lula só tem proximidade com um núcleo muito pequeno. Com a maior parte dos parentes, há um certo distanciamento - diz o ex-deputado Sigmaringa Seixas (PT-DF).

A maior prova de que Lula costuma se proteger da "família-problema" ocorreu nas férias do início do ano, quando foi descansar no litoral paulista. Estava hospedado no Forte dos Andradas, área das Forças Armadas, amparado por forte esquema de segurança. Foi assediado vários dias pelo irmão Germano Inácio da Silva, de 41 anos, que insistia em encontrá-lo para cobrar um antigo compromisso de ajuda. Mas ele voltou sem falar com o irmão famoso, mesmo depois de fazer plantão na porta do forte.

- Alguns acham que porque é irmão pode abrir a porta e ir entrando. Não é assim! A família arruma muita briga com ele. Lembro que, quando estávamos no sindicato, eles já pediam empregos e favores. E tínhamos como norma não empregar parente - conta Devanir Ribeiro.

- Esse comportamento de Lula mostra que ele não tem esquema para proteger ou empregar parentes. E isso gera alguma mágoa nos familiares - reforça o senador Aloizio Mercadante (PT-SP).

Lula não esconde o constrangimento com o assédio aos irmãos. E sabe que não pode controlá-los. Mas sempre manda Frei Chico ficar de olho no que andam fazendo ou acomodar o que for possível. A avaliação de assessores e ministros é de que, além do grande número de parentes, todos têm origem humilde e pouco estudo, o que os tornam vulneráveis ao assédio de lobistas e pessoas interessadas em favores do governo. Para o presidente, isso foi o que ocorreu com Vavá.

Em conversas mais reservadas, Lula tem dito que, de todos os parentes, suas três irmãs são as únicas que não costumam dar trabalho. Ressalta que elas são simples e afetuosas e não fazem cobranças. O carinho especial dele é pela caçula, Ruth. Ela é merendeira de uma escola municipal, em São Paulo.

Irmãs seguem recomendação de não falar sobre parentesco

Pelos relatos de amigos, somente as irmãs costumam seguir a recomendação de Lula de evitar divulgar o parentesco ilustre por dois motivos: evitar assédio de pessoas interessadas em vantagens e por segurança, já que todos moram em bairros simples.

Mas enquanto é rígido com o comportamento de seus irmãos, o presidente costuma ser mais protetor e complacente com os filhos. Até hoje, Lula diz que o filho Fábio, o Lulinha, foi injustiçado por causa das acusações de tráfico de influência na efetivação da sociedade milionária com a Telemar. Outro episódio que o irritou foi a divulgação do episódio em que seus filhos levaram um grupo de amigos para Brasília em avião presidencial, para passar um feriado no Palácio da Alvorada. As fotos do turismo vip pelos palácios oficiais foram parar na internet e geraram protestos em todo país.

Até mesmo a primeira-dama, dona Marisa, já foi alvo de polêmica, quando mandou levar em carro oficial da Presidência a cadela Michelle, uma fox terrier, para a Granja do Torto, residência oficial de fim de semana. Em outro episódio, mandou fazer nos jardins do Alvorada e da Granja do Torto uma estrela vermelha, símbolo do PT. Mas nesses casos, Lula silenciou. Explica que quem manda em casa é a dona Marisa.