Título: TVs se autocensuram para ter classificação livre
Autor: Weber, Demétrio
Fonte: O Globo, 17/06/2007, O País, p. 16

Filmes, novelas e seriados têm cortes de cenas de nudez e violência; medida visa à adequação às exigências do governo.

BRASÍLIA. Para se adequar às exigências da classificação indicativa do Ministério da Justiça, as emissoras de TV aberta têm que praticar autocensura e cortar cenas de violência e nudez. As alterações têm um objetivo: tentar enquadrar filmes, seriados e novelas nas categorias de classificação definidas pelo Ministério da Justiça. A prática começou a ser adotada antes mesmo da edição pelo ministério da portaria 264, que provocou polêmica e reações em fevereiro deste ano. No centro da discussão está a vinculação entre a faixa etária recomendada para os programas e seu horário de veiculação.

Uma liminar do Superior Tribunal de Justiça (STJ), concedida inicialmente em 2000 a pedido da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), impediu que haja vinculação entre a faixa etária atribuída pelo governo e o horário de exibição. A decisão anulou os efeitos de portaria editada no governo Fernando Henrique. No governo Lula, a portaria 264 reeditou a vinculação, mas a entrada em vigor dessa medida foi adiada diante das críticas.

Seriados como "O Vidente" e "Smallville", exibidos pelo SBT, já tiveram trechos cortados para garantir a sua reclassificação para a categoria livre. O mesmo ocorreu com os filmes "Pocahontas - o Encontro de Dois Mundos" e "A Onda dos Sonhos", da TV Globo; a novela "Paixões Proibidas", da Band; e a série "Zorro - La Espada y la Rosa", da rede Record.

Os cortes dos programas estão detalhados nos pareceres em que o Ministério da Justiça define a classificação por faixa etária. O GLOBO teve acesso a alguns deles, depois de uma semana de negociação com o Dejus. Primeiro, o departamento alegou que os pareceres não eram públicos. Mais tarde, liberou a consulta e informou que, a partir de agora, o entendimento do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação (Dejus) é de que qualquer cidadão poderá fazer o mesmo.

SBT reeditou seriado para ter classificação livre

O seriado "O Vidente", que é exibido nas manhãs de domingo, teve episódios classificados, no ano passado, como impróprios para menores de 12 e 14 anos. Os analistas do Dejus consideraram que havia inadequações como agressão física, assassinato e imagens de um procedimento cirúrgico que impossibilitavam atender ao pedido de classificação livre.

O SBT reeditou os episódios, cortando as cenas que haviam motivado a classificação indesejada. "Tomamos a liberdade de proceder a alguns ajustes que em nada prejudicam o fiel entendimento do produto final", diz carta enviada ao Dejus.

O texto lista as "cenas cortadas" em cada episódio, indicando o tipo de conteúdo excluído e o tamanho do corte, que pode durar apenas dois segundos ou chegar perto de meio minuto. Num dos episódios, foram feitos 27 cortes, excluindo cenas de erotismo, nudez, agressão física, assassinato e exposição de cadáver.

Com as alterações, o ministério mudou seu entendimento e acabou reclassificando os episódios como livres. Num dos relatórios, os analistas escreveram: "tal cena é amenizada em função de cortes realizados... não sendo mostrado o homem atingido, tampouco seu ferimento".

O advogado e consultor da Abert Antônio Claudio Ferreira Netto afirma que esse procedimento indica o tamanho da pressão a que as empresas estão submetidas:

- Embora as emissoras não admitam que o ministério tenha poder para impor horários, o que é inconstitucional, elas têm seu público-alvo, entendem que a classificação é um instrumento para os pais e não querem que a obra seja privada desse público. As emissoras vivem submetidas a uma pressão grande do órgão classificador.

"Os cortes são feitos espontaneamente"

O diretor do Dejus, José Eduardo Elias Romão, rechaça a acusação de censura e diz que os cortes são realizados voluntariamente pelas emissoras, que são obrigadas a informar a idade mínima a que se recomenda cada programa.

- Os cortes são feitos espontaneamente. Respondem a interesses comerciais. A autocensura não é para proteger crianças e adolescentes - diz Romão.

O filme "A Onda dos Sonhos", adquirido pela TV Globo, foi classificado originalmente, em 2005, como impróprio para 12 anos. Duas cenas foram cortadas, excluindo um "gesto obsceno" e "linguagem inadequada". A obra foi reclassificada como livre em maio de 2007.

A TV Bandeirantes também solicitou nova análise da novela "Paixões Proibidas". "Existe uma grande expectativa do público em poder rever a trama em horário menos tardio. Essa razão nos leva a solicitar a V.S.ª uma reanálise de uma versão editada", diz carta enviada ao Dejus.

A classificação indicativa está no centro de uma polêmica entre emissoras de TV, classe artística, Ministério da Justiça, movimentos sociais, pais e telespectadores. De um lado, há acusações de que a classificação, na verdade, não passa de censura, ao vincular os horários de exibição à classificação por faixa etária. Ou seja, que uma novela considerada imprópria para menores de 12 anos, por exemplo, só possa ser exibida após as 20 horas. De outro, há o argumento de que é preciso proteger a infância e a juventude da exposição a conteúdos inadequados e dos exageros da guerra pela audiência.

- A censura nunca vem se apresentando como instrumento de opressão. Ela se apresenta como defensora da família, do cidadão. Depois que instala, vira instrumento de arbítrio e imposição de interesses estatais sobre o cidadão - diz Ferreira Netto.