Título: Stédile reacende debate sobre reforma agrária
Autor: Franco, Bernardo Mello
Fonte: O Globo, 17/06/2007, O País, p. 18

Crítico do MST diz que causa foi superada pela modernização do campo; professor da UFRRJ pede mais investimento.

BRASÍLIA.Ao admitir na última semana que o modelo de assentamento defendido pelo MST há duas décadas está esgotado, o principal ideólogo do movimento, João Pedro Stédile, jogou lenha na fogueira do debate sobre a viabilidade da reforma agrária no país. O desabafo marca uma mudança no discurso dos sem-terra, que conquistaram espaço à frente de grandes ocupações e protestos pela distribuição de terras improdutivas. Stédile conseguiu surpreender, ao mesmo tempo, dois grupos antagônicos: os antigos desafetos do MST, que julgam suas bandeiras sepultadas pela História; e os responsáveis pela política fundiária do governo, que celebram o recorde de assentamentos no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

- A reforma agrária era uma causa justa nos anos 60, quando se plantava com enxada, mas foi superada pela modernização do campo. Fui chamado de herege quando afirmei isso pela primeira vez, há mais de 15 anos - diz o engenheiro agrônomo Xico Graziano, um dos mais célebres críticos do MST.

Graziano: MST usou sem-terra como massa de manobra

O desenvolvimento tecnológico que impulsionou o crescimento do agronegócio exportador teria inviabilizado a produção baseada na distribuição de terra a lavradores sem preparo e capacidade de investimento, diz o tucano, ex-deputado e atual secretário de Agricultura de São Paulo. Para competir com as grandes empresas, argumenta, a agricultura familiar precisa se organizar em cooperativas sólidas, como as de pequenos produtores de soja no Paraná:

- O MST sabia que os assentamentos não funcionavam, mas insistiu no discurso para usar os sem-terra como massa de manobra para suas atividades políticas - acusa Graziano, que atribui o recuo de Stédile à constatação de que a sobrevivência do movimento corre perigo.

A existência de 200 mil famílias acampadas mantém a reforma agrária entre as prioridades do país, afirma o economista Sérgio Pereira Leite, professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ). Coordenador de uma pesquisa em assentamentos distribuídos por 15 estados, ele contesta a idéia de que a plantação extensiva de soja e cana-de-açúcar seja a única solução para o meio rural brasileiro.

- Temos que nos perguntar se esse modelo, incentivado nos últimos anos com recursos públicos, supre as necessidades do país. O plantio de soja está desmatando a Amazônia e a corrida do etanol fez ressurgir o trabalho escravo no Nordeste. Qual é a sustentabilidade desse tipo de crescimento? - questiona.

Otimista com a queda da evasão nos assentamentos, Leite elogia projetos federais como o Luz Para Todos e o Programa de Aquisição de Alimentos, que no ano passado aplicou R$118 milhões para garantir a venda de produtos dos sem-terra. Mas lamenta que a reforma agrária tenha ficado de fora dos investimentos previstos no Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) - o que, segundo ele, mostra a força dos grandes produtores no governo.

- A distribuição de terra não é só uma imposição social. Geração de emprego significa política econômica, e cada lote abre em média três postos de trabalho - afirma.

Apesar do aumento dos investimentos em reforma agrária - que saltaram de R$1,1 bilhão em 2003 para R$2,6 bilhões em 2005 - a agricultura familiar continua a perder a queda-de-braço política para a monocultura extensiva. No ano passado, o agronegócio bateu o recorde de exportações, com US$49,4 bilhões em vendas, e respondeu por 93% do superávit na balança comercial. Para o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, é hora de inverter os pesos na balança de prioridades do governo.

- Há quatro anos, o Brasil enfrentava um período de grande vulnerabilidade econômica. Esse esforço foi necessário, mas já ultrapassamos os R$80 bilhões em reservas. O governo está superando o encantamento com a grande propriedade e o volume de exportações - garante Cassel, um engenheiro gaúcho levado a Brasília pelo antecessor, Miguel Rossetto.

Ministro rebate as críticas de Stédile aos assentamentos

Ligado à Democracia Socialista (DS), uma das tendências mais à esquerda no PT, o ministro mede as palavras para evitar atritos com o MST e classifica como "medieval" o discurso de que as bandeiras do movimento estão ultrapassadas. No entanto, rebate a declaração de Stédile de que os assentamentos no Norte têm acelerado o desmatamento da floresta amazônica.

- O João Pedro não conhece a Amazônia. O desmatamento diminui nas áreas loteadas pelo Incra - diz Cassel, que estima em 50% o percentual de assentamentos promovidos na Amazônia Legal durante o governo Lula.

Casos como o da região de Pacajá (PA), onde O GLOBO flagrou em maio o recrutamento de sem-terra por madeireiros, são descritos pelo ministro como pontuais. Já a ação armada de grileiros, que tem expulsado lavradores instalados no sul do Pará e em Roraima, é alvo confesso de preocupação do governo.

- Os assentamentos são feitos com apoio da Polícia Federal em terras públicas ocupadas por grileiros. Quando a polícia sai, os pistoleiros entram nos lotes com metralhadoras e começam a derrubar as árvores. Você acha que o assentado vai enfrentá-los com o documento do Incra na mão? É punk - resume Cassel.