Título: Em 137 ações, ninguém punido
Autor: Gripp, Alan e Brígido, Carolina
Fonte: O Globo, 18/06/2007, O País, p. 3

Supremo Tribunal Federal não condenou autoridade alguma nos últimos 40 anos.

Ahistória recente da mais alta corte do país tem a marca da impunidade. O Supremo Tribunal Federal (STF), responsável pelos julgamentos das maiores autoridades do país, se aproxima da quarta década seguida sem condenar ninguém. Não faltaram oportunidades: levantamento feito pelo GLOBO em processos criminais abertos de 1968 até hoje (período em que há registros disponíveis) revela que foram iniciados pelo menos 137 processos criminais contra deputados, senadores, ministros de Estado e presidente da República. A análise da papelada ajuda a entender por que o tribunal passou até hoje em branco. Há processos que atravessaram uma década e não chegaram ao fim.

A morosidade do Supremo, mergulhado em um mar de ações, leva réus a se livrarem dos processos sem que haja julgamento. Não faltam casos de autoridades beneficiadas pela prescrição dos crimes, ou seja, o fim do prazo que a Justiça tem para dar a sentença. A impunidade é alimentada pelo foro privilegiado, que dá a autoridades o direito de só serem investigadas e processadas no STF. O cenário leva especialistas a dizer que é quase impossível um processo criminal chegar ao fim.

- O quadro é preocupante, não há nem condenação nem absolvição. O Supremo, assim como os demais tribunais superiores, não foi estruturado para produzir provas, ouvir testemunhas e conduzir processos - diz o presidente da Associação dos Magistrados do Brasil (AMB), Rodrigo Collaço.

O levantamento do GLOBO dos processos criminais só considera as ações movidas pelo Ministério Público Federal e exclui aquelas relacionadas a crimes de opinião, como injúria difamação e calúnia, e os chamado delitos leves, como desacato. Entre os processos que tramitaram no STF, há de tudo: acusações de desvio de verbas, evasão de divisas, corrupção e até homicídios e um caso de seqüestro.

Tramitam hoje no Supremo 39 processos criminais que se encaixam nesses critérios. Um deles completou cinco anos em fevereiro e é emblemático: está parado desde 25 de agosto de 2005, quando foi enviado para o gabinete do ministro Joaquim Barbosa, relator do caso, e assim permaneceu. Nele, o MP acusa o ex-deputado Paulo Marinho de peculato e crime contra a administração pública.

- O tribunal recebe cem mil casos por ano, algumas centenas de casos dificílimos e urgentíssimos. É evidente que um tribunal desses não está preparado para minúcias de processos criminais - explica Barbosa.

Ele relata o constrangimento que passa quando troca informações com colegas no exterior:

- Quando viajo e me perguntam em outros países quais são os principais casos julgados pelo STF, dou um sorriso. Esperam que seja um ou dois casos. Mas são centenas!

Processos vão e voltam devido a foro privilegiado

O foro privilegiado provoca um vai-e-vem de processos pelas diferentes instâncias do Judiciário. A cada nova legislatura do Congresso, por exemplo, todos os processos respondidos pelos novos parlamentares automaticamente são enviados para o Supremo. Quem perde o mandato, perde também a regalia e passa a ser julgado pela primeira instância.

É o caso de Zélia Cardoso de Mello, ministra da Economia no governo Collor, denunciada por crime de corrupção passiva. Processada no STF em 1999, ela perdeu o direito ao foro privilegiado quando o próprio Supremo decidiu que o benefício não valia mais para ex-autoridades. Zélia foi condenada na primeira instância a 13 anos e quatro meses de prisão por receber vantagens indevidas do esquema PC.

Ela recorreu da sentença. Em julho do ano passado, o Tribunal Regional Federal a absolveu por falta de provas. Foi a vez de o Ministério Público recorrer. O caso está agora com o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e não há previsão para terminar.

- Há uma distância tão grande entre o crime e o julgamento do caso que a família da vítima fica com a noção de impunidade. A sociedade, quando sabe que houve um julgamento, critica em vez de comemorar, porque fica evidente o funcionamento anacrônico do Judiciário - diz o presidente da Associação de Juízes Federais (Ajufe), Walter Nunes.

O fim do foro privilegiado é apontado por magistrados como a única saída para desafogar o STF. Como o Congresso Nacional não dá sinais de que pretende abrir mão da regalia, outras soluções começam a ganhar força. A AMB, por exemplo, sugere que o tribunal crie uma estrutura própria para conduzir investigações criminais, chance única, para alguns, de tirar da maior corte do país a reputação de tribunal da impunidade.