Título: Advogado contesta Renan e é hostilizado
Autor: Vasconcelos, Adriana e Lima, Maria
Fonte: O Globo, 19/06/2007, O País, p. 8

Pedro Calmon diz que pagamentos eram feitos em dinheiro vivo e que parte da pensão foi paga "por fora".

BRASÍLIA. O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), acionou uma ativa tropa de choque e a municiou com documentos na tentativa de desqualificar a conduta do advogado Pedro Calmon Filho, e de sua cliente, a jornalista Mônica Veloso, com quem tem uma filha. Durante depoimento de Calmon no Conselho de Ética, Mônica chegou a ser acusada de ter pedido, juntamente com o advogado, R$20 milhões para não divulgar um dossiê contra Renan. Calmon não se intimidou e contestou diversas vezes, de forma ostensiva, a versão apresentada pelo presidente do Senado em sua defesa sobre o pagamento de R$100 mil a Mônica.

- Agora eu entendi o motivo do convite para eu vir aqui. É para criar uma cortina de fumaça em todo esse processo - ironizou o advogado.

Além de Calmon, prestou depoimento ontem no Conselho o lobista Cláudio Gontijo, da empreiteira Mendes Júnior. Mas os depoimentos pouco serviram para esclarecer a origem dos recursos que foram usados por Renan Calheiros para custear pensão mensal de R$12 mil à filha que teve com a jornalista.

Mesmo reconhecendo ter feito sua cliente assinar dois recibos simulados, cada um no valor de R$50 mil, que serviriam, em tese, para a constituição de um fundo para custear atividades culturais da criança, como disse Renan, Calmon afirmou que esses recursos, pagos em dinheiro vivo, referiam-se ao pagamento de atrasados da pensão da menina:

- Eu não pretendia assinar, mas foi a exigência para que minha cliente recebesse duas sacolas cheias de dinheiro. Pessoas que se vêem em situação de coação assinam, sim, documentos simulados.

- Um advogado que concorda em assinar um documento simulado joga sua credibilidade no lixo - reagiu o senador Valter Pereira (PMDB-MS), um dos mais ativos da tropa de choque de Renan, irritando mais ainda Calmon.

- Quem produziu aquele documento (o recibo) foi aquele advogado ali! - gritou Calmon, apontando Eduardo Ferrão, que representa Renan Calheiros no processo e estava no fundo da sala.

Renan: Calmon é "Pinóquio"

Uma das principais revelações feitas por Calmon foi a de que Renan, mesmo depois de reconhecer a paternidade da filha, continuou pagando "por fora" parte da pensão. Com base na declaração de rendimentos apresentada à Justiça em maio de 2005, da qual constava apenas seu salário como parlamentar, a pensão alimentícia foi fixada em R$3 mil, bem abaixo dos R$12 mil pagos pelo senador durante a gestação e antes do reconhecimento da paternidade. As duas partes, então, teriam fechado um acordo estabelecendo que Renan completaria de maneira informal o valor da pensão com os ganhos de seus investimentos agropecuários, ou seja, R$9 mil.

Desde a semana passada, Renan vem exibindo aos colegas a cópia de uma petição assinada por Calmon na qual ele reclama o pagamento oficioso de R$9 mil, além da pensão de R$3 mil, na tentativa de mostrar que estaria sendo vítima de chantagem. O advogado afirmou ontem que nessa petição ele apenas comunica ao juiz o descumprimento de um acordo que fora proposto pelo próprio Renan - pagar R$3 mil descontados do salário e os R$9 mil por fora. O advogado de Renan, Eduardo Ferrão, não quis fazer comentários sobre o assunto , e Renan chamou Calmon de "Pinóquio".

Calmon também não reconheceu uma consulta que teria sido encaminhada ao perito Aydano Faria para identificar gravações de conversas entre Mônica, Renan e o lobista Cláudio Gontijo, que intermediou o pagamento da pensão antes de o presidente do Senado reconhecer a paternidade da filha. O documento foi apresentado pelo senador Almeida Lima (PMDB-SE), que acusou a jornalista de ter pedido R$20 milhões para não divulgar o dossiê. Minutos antes da acusação, aliados de Renan receberam um pacote de documentos.

- Esse documento não tem qualquer assinatura. Não o reconheço - rebateu Calmon.

- O presidente Renan Calheiros foi vítima de processo de chantagem devidamente comprovado - disparou Almeida Lima, que ainda questionou o fato de o pai do advogado, Pedro Calmon, ter ido à casa do senador Epitácio Cafeteira (relator inicial do processo) na véspera da última audiência que fixou o valor da pensão da filha do presidente do Senado.

Calmon explicou que o pai fora convidado para um churrasco, no qual estavam presentes senadores, entre eles José Sarney, um dos principais aliados de Renan, e que alguns deles mostraram curiosidade sobre o processo entre Renan e Mônica. Calmon acusou os advogados de Renan de terem quebrado o sigilo de um processo que corria em segredo de Justiça e prometeu acionar a Ordem dos Advogados do Brasil.

- O senador Renan está levantando falso testemunho contra minha cliente. Tenho honra e não admito esse tratamento. Chantagem de quê? Mas, como quebraram o sigilo de um processo que corria em segredo de Justiça, me sinto na obrigação de revelar aqui que existe outro, porque o senador Renan negou dar seu nome à própria filha e achincalhou minha cliente.

No fim da sessão, Demóstenes Torres (DEM-GO) lamentou a perda de tempo.

- Esse depoimento foi inútil, apenas mostrou um pouco mais quem é a Mônica. Mas não é o comportamento dela que está em julgamento - observou.

O líder do Democratas, senador Agripino Maia (RN), pretende reunir a bancada hoje para avaliar a situação de Renan.

Nenhum dos senadores abordou ontem as dúvidas que persistem na defesa de Renan. Como, por exemplo, a existência de um único cheque usado em negócios distintos sobre venda de gado. E nem se questionou também o fato de Renan não ter declarado o pagamento de R$100 mil feito por Renan a Mônica. Segundo seu advogado, a doação não precisaria ser declarada, o que foi confirmado pela Receita Federal.

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