Título: Batatas
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 20/06/2007, O Globo, p. 2

Senado e Câmara têm cultura e códigos tão diferentes quanto o de uma ópera e o de um desfile de escola de samba. Mas ontem pintou um clima de Câmara no Senado: todo mundo achando que a situação do senador Renan Calheiros piorara. Não surgira qualquer fato novo, mas o clima mudara. E mudara antes mesmo de conhecidas as restrições da Polícia Federal à autenticidade dos documentos apresentados por Renan como prova da origem de seus recursos financeiros.

Seus aliados já sabiam ontem que só poderiam liquidar o assunto hoje se o laudo da PF fosse favorável, conferindo-lhes um argumento para aprovar o arquivamento da representação do PSOL. Qualquer adiamento da decisão do Conselho de Ética complicaria severamente a situação do presidente do Senado. E, se a PF pedir mesmo mais tempo para emitir suas conclusões sobre os documentos, é isso que deve acontecer. Renan vive um paradoxo relacionado ao tempo. Assuntos dessa natureza precisam, sempre, ser liquidados logo, evitando a sangria, a proliferação de versões, o dano irreparável, mesmo que a inocência seja provada. Mas na medida em que ele e seus aliados tentam apressar os ritos, passam a impressão de que estão atropelando prazos e regras para evitar que novas revelações venham à tona. E isso irrita a opinião pública, que já está novamente ouriçada, como em 2005, pedindo sangue aos parlamentares.

No meio da tarde corria no salão azul uma metáfora: "a batata do Renan assou". Na gíria daqueles corredores, a batata assa quando o sujeito está perdido, sua situação chegou ao limite e tudo pode acontecer. Inclusive o temido e ontem consumado pedido de renúncia, feito pelo senador Pedro Simon.

A batata assou também porque muitos dos senadores começaram a ficar intimidados, sentindo a cobrança que vem de fora e temendo pagar o pato pela defesa de Renan. Podia estar assada, mas queimada ainda não estava: os apoios de que ele dispõe no Conselho de Ética minguaram. A maioria persiste, mas está no limite. Pesa muito a favor de Renan o fato de que, com ele fora da presidência, nem governo nem oposição terão um nome que tão bem concilie a Casa, como ele sabe fazer. Os dois lados sabem disso e não desejam a beligerância que, nos anos recentes, marcou a Câmara.

O DEM caminhava ontem para pedir o aprofundamento das investigações, recusando a proposta de arquivamento do relator. O líder Agripino Maia é mais indulgente, mas os membros do Conselho são duros: são eles Demóstenes Torres e Heráclito Fortes, já que Adelmir Santana está impedido de votar, como presidente em exercício do Conselho.

O líder do PSDB, Arthur Virgílio, evitando falar na batata assada, fazia com esforço um discurso equilibrado.

- Somos tão éticos que não achamos ético condenar ou absolver alguém sem elementos sólidos de convicção. Amanhã, vou reunir a bancada, vamos discutir o laudo da PF e vamos tomar a decisão necessária e justa, seja dolorosa ou confortadora.

Na base governista, além de Simon, outro que dá sinais de que não votará a favor de Renan é o petista Eduardo Suplicy. Renato Casagrande, do PSB, é apontado com o terceiro falcão governista. Somados aos votos da oposição, poderiam ser decisivos. Mas Casagrande também evitava cruzar a linha, dizendo não ser do tipo que condena ou que absolve por antecipação. Hoje, de todo modo, será o dia da batata.