Título: Céu e inferno
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 20/06/2007, O País, p. 4

Este é o problema maior hoje do senador Renan Calheiros: seus pares, que até outro dia se empenhavam para arquivar o pedido de processo contra ele no Conselho de Ética do Senado, agora já consideram que é a instituição que está sofrendo diante da opinião pública, e que ele está agindo com egoísmo ao constranger os senadores a defendê-lo como se defendessem o Senado ou a si próprios. O senador Pedro Simon, um crítico cáustico que tem no seu currículo pelo menos a demissão de um ministro, ontem saiu da posição de neutralidade e abriu a porteira para pedir que Renan renuncie à Presidência do Senado.

Simon perdera, na última reunião do Conselho, a chance de marcar uma posição de vanguarda quando, com sua ironia cortante, chegou a dizer que não colocaria a mão no fogo por Renan. Mas logo em seguida garantiu que confiava no presidente do Senado, amenizando sua posição.

A cada incongruência que surge na defesa de Renan, a cada nova explicação que ele é obrigado a dar, cresce a sensação generalizada de que sua posição está se tornando insustentável. Nada mais sintomático do que a situação da relatoria do processo. Escolhido a dedo pela líder do PT, Ideli Salvatti, circunstância revelada pelo próprio senador, Epitácio Cafeteira não teve saúde para resistir às críticas que recebeu por ter dado um parecer de encomenda.

Pediu licença do cargo e deixou ao léu um parecer que nenhum senador está querendo assumir. Pede o arquivamento sumário do pedido de processo feito pelo PSOL, sem nem mesmo ter se dado ao trabalho de analisar os documentos que o senador Renan Calheiros foi obrigado a apresentar. Os mesmos documentos que o "Jornal Nacional" provou serem, pelo menos em parte, frios.

Atendo-se a detalhes técnicos, o senador Cafeteira alegou que as denúncias, e novos documentos de Renan, surgiram após ter dado seu parecer, e, portanto, não se referiam à petição inicial. O parecer ficou tão anacrônico diante dos fatos novos que se desenrolaram desde então, que nenhum senador se anima a assumi-lo para dar continuidade ao processo a partir dele.

Isso significa que nem mesmo os seus defensores, que já escasseiam, por sinal, têm ânimo para colocar o nome em um trabalho que claramente não abordou todas as nuances da questão. Também já existe um certo incômodo pela maneira apressada com que foi feita a "perícia paralela" sugerida pelo senador Romero Jucá.

Sem que houvesse tempo suficiente, e assessorado por membros do próprio corpo de técnico do Senado, subordinados à hierarquia funcional da Casa, a Receita Federal só pôde afirmar que os documentos eram originais, o que não comprova nada, a favor ou contra Renan, e transforma a tal "perícia paralela" em mais uma peça da farsa que está sendo montada no Conselho de Ética.

A disposição da maioria dos senadores agora é pedir mais tempo para que a perícia seja completada, comparando-se as notas emitidas com a situação das empresas que as emitiram. Somente assim se poderá saber se é factível a versão do presidente do Senado de que tirou o pagamento da pensão alimentícia dos rendimentos de negócios agropecuários.

Os técnicos do setor já disseram aos jornalistas que os preços não são compatíveis com a realidade, e as notas já estão sob suspeição a partir das reportagens do "Jornal Nacional", mas é preciso que a perícia oficial comprove (ou não) as versões não oficiais. O acúmulo de indícios de que a versão oficial não se sustenta, e mais o claro envolvimento do lobista Cláudio Gontijo com o senador Renan Calheiros, impede que os senadores da base governista passem um rolo compressor para arquivar o pedido de processo.

A reação da opinião pública, registrada nas cartas de leitores dos principais jornais, nas mensagens pela internet e nas mensagens diretamente enviadas para os endereços eletrônicos oficiais dos senadores, não deixa dúvida de que arquivar o pedido de processo sem nem mesmo iniciá-lo será fatal para a credibilidade de cada um dos senadores e do Senado como um todo.

A reação das ruas está ajudando a mudar a posição de muitos senadores. O problema para o senador Renan Calheiros é que, aberto o processo, ele não poderá renunciar ao mandato para manter seu direito de se candidatar novamente. Ele se encontra diante de uma encruzilhada: se renunciar agora ao mandato, teria que ficar mais três anos e meio ao relento antes de poder se candidatar novamente.

Se, como garante, permanecer no cargo, poderá correr o risco de enfrentar um processo que começaria com um clima muito contrário a ele. Diferentemente dos primeiros momentos, quando recebeu a solidariedade da ampla maioria dos senadores, hoje não se encontra quem queira, no Conselho de Ética, assumir a missão de perdoá-lo liminarmente.

E são poucos e inexpressivos os senadores que se dispõem a defendê-lo publicamente, como fez ontem o senador Almeida Lima, criando um clima de animosidade no plenário do Senado ao insinuar que os que, como o senador Jefferson Péres, se posicionam a favor de uma investigação mais aprofundada não passam de espertalhões que querem ficar bem diante da opinião pública.

O falecido educador e ex-senador Darcy Ribeiro dizia que o Senado era um céu, com a vantagem de que não se precisava morrer para ir para lá. Para o senador Renan Calheiros, ele pode se transformar em um inferno nos próximos dias e meses. E, mesmo que ele consiga superar esse processo, outros virão.