Título: Mangabeira: posse em clima de constrangimento
Autor: Jungblut, Cristiane e Camarotti, Gerson
Fonte: O Globo, 20/06/2007, O País, p. 12

Antigo crítico do governo, novo ministro chamou o presidente de "magnânimo" e falou em "vanguarda vinda de baixo"

BRASÍLIA. Um clima de constrangimento marcou ontem a posse do professor Roberto Mangabeira Unger como ministro-chefe da nova Secretaria de Planejamento de Longo Prazo da Presidência da República. Numa cerimônia rápida, marcada pela ausência dos ministros da área econômica e do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) - sempre presente às solenidades do Planalto -, Mangabeira começou lembrando que foi crítico contumaz do primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ontem, mudou o discurso e, numa fala teatral e carregada de forte sotaque, chamou o presidente de magnânimo por tê-lo convidado para o cargo e disse que o "povo não aceitou tutelas nas eleições de 2006" e que há uma "nova vanguarda vinda de baixo".

No auge das denúncias do mensalão, em 2005, Mangabeira afirmou que o governo Lula foi o "mais corrupto de nossa história nacional" e defendeu o impeachment do presidente.

-- Ao convocar-me para essa tarefa, o senhor demonstrou magnanimidade. Critiquei com veemência e combati com ardor o seu primeiro governo. A magnanimidade tem duas raízes: grandeza interior e preocupação com o futuro. Orientar-se ao futuro é antever e antecipar uma vitória sobre os constrangimentos do presente. Nas democracias, a profecia fala mais alto do que a memória - disse.

Lula não mencionou as críticas. Disse que Mangabeira tem a missão de pensar o Brasil até 2022 - quando o país completará 200 anos de Independência - mas não dispensou elogios.

- Meu caro companheiro Mangabeira, quero que você saiba, e os outros ministros serão testemunhas disso, que você terá todo o meu apoio.

O vice-presidente José Alencar e o senador Marcelo Crivella, do PRB, partido de Mangabeira, negaram o constrangimento na posse, adiada três vezes.

Mangabeira, professor de Harvard há quase 40 anos, fez um discurso pomposo e assumiu o pensamento do próprio Lula de que a população não se deixou influenciar na eleição.

- O povo pobre e trabalhador não deixou que lhe formassem o juízo, ao rejeitar tutelas, reconciliou-se consigo mesmo. O acontecimento mais importante ocorrido nos últimos 50 anos da vida brasileira é o surgimento de uma nova vanguarda, vinda de baixo, de emergentes e batalhadores.

"Os sinais são de que o Ipea continuará com liberdade"

Outro problema do Planalto foi a resistência do Ipea de sair do Ministério do Planejamento e passar a ser subordinado a Mangabeira. Para evitar conflito, a instituição recebeu a garantia de que não haverá interferência política.

- O Ipea sempre foi uma instituição voltada para pensar o futuro. Por isso, uma pasta com essas atribuições tem tudo a ver com a nossa história. O Mangabeira teve a gentileza de reiterar a autonomia do Ipea. Todos os sinais são de que o Ipea continuará com liberdade - disse o presidente do Ipea, Luiz Henrique Proença Soares.

Apesar da posse, a avaliação no governo é de que o discurso não solucionou os passivos do professor. A expectativa era que Mangabeira desse uma entrevista, mas ele negou-se a falar com os jornalistas.