Título: Sarça ardente
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 21/06/2007, O Globo, p. 2

O Conselho de Ética manteve em curso o processo contra Renan Calheiros. Continuarão sangrando os dois, a Casa e seu presidente. Pela conduta leviana, cínica e velhaca de alguns de seus membros, foi o Conselho que agravou o drama do Senado: é grande a disposição dos pares para tirar Renan da fogueira, mas é maior a sujeição às iras da opinião pública, levantada pelo achincalhamento das últimas sessões.

Como ontem o Conselho começou pelo menos a olhar para sua própria miséria, pode ser que agora as coisas tomem um curso mais racional. É provável que o depoimento de Renan propicie os esclarecimentos que permitam uma decisão. Ou ele os convence de que não fez uso de dinheiro de uma empreiteira, ou tira-lhes as dúvidas sobre a necessidade de ser investigado e submetido a processo de cassação.

Coube à senadora Marisa Serrano e ao senador Sérgio Guerra, ambos do PSDB, pôr o dedo na ferida que, muito mais que a denúncia contra Renan, vem fazendo o Senado sangrar: o grande despreparo do Conselho, sua desordem, seu despreparo, a vocação de alguns de seus membros para a chicana que indignou os brasileiros que acompanharam suas sessões. O senador Tasso Jereissati mostrou-nos ontem o calhamaço de cópias impressas dos e-mails que lhe chegaram, boa parte deles censurando o Conselho. Ele também não tem dúvida sobre o que disse Sérgio Guerra a seus pares: as reuniões do Conselho, que não possui regimento nem se impõe planejamento, ordem e compostura, foram altamente danosas à imagem do Senado.

- O mau espetáculo deste Conselho, sua inépcia, acabou criando uma situação contrária à norma mais elementar do direito, a de que o ônus da prova cabe a quem a acusa.

A escolha do senador Sibá Machado como presidente do Conselho suscitou críticas e desconfianças, mas ele surpreendeu positivamente. O senador Pedro Simon reconheceu isso. Sérgio Guerra também louvou ontem seu esforço e boa-fé. Mas não pôde ele evitar as chicanas e velhacarias que desacreditaram o Conselho. O primeiro relator, Cafeteira, deu parecer pelo arquivamento num prazo tão célere que dificultou, para os outros, os mais sóbrios, os querem absolver Renan mas não participar de farsa, dar um voto a favor. Cafeteira ameaçou renunciar e depois adoeceu. O substituto, Wellington Salgado, também abdicou ontem da função quando a votação do parecer foi adiada, o que Renan não queria.

Marisa Serrano, uma figura muito sóbria, declarou-se estarrecida com o que houve na penúltima sessão: quebras orais de sigilos bancários, bate-bocas entre advogados, exposição do nome de uma menor, insinuações cavilosas de toda ordem e brincadeiras de muito mau gosto.

Ontem eles se comportaram melhor. A ficha caiu. Pairavam sobre o Senado dois temores. Um, o de contrariar a opinião pública, ficando os senadores expostos a pedras e ovos podres nas ruas. O outro medo, o de uma carnificina que venha a atingir um grande número de senadores. Pois em suas conversas reservadas, Renan vem dizendo que, se o matarem, não morrerá sozinho. Ontem ele recusou acordos propostos por alguns pares e partidos e insistiu na votação do parecer pelo arquivamento. Perdeu, a maioria quis mais esclarecimentos e ouvir suas explicações. Mas ele continua passando aos seus uma mensagem que eles sabem decodificar: não vai facilitar a própria degola. Não vai renunciar, não vai se licenciar. Se vier o processo, vai usar a tribuna para se defender todos os dias. Vai continuar apresentando provas de que não recebeu dinheiro da Mendes Júnior. O Senado, certamente, pararia por meses.

Na semana que vem, ele terá uma última chance, em seu depoimento. Isso se, até lá, a luta política por seu cargo não se tiver tornado mais importante que o mérito da acusação que lhe é feita.