Título: Novo relator assume, tenta inocentar Renan, e renuncia no mesmo dia
Autor: Lima, Maria e Lopes, Rodrigo
Fonte: O Globo, 21/06/2007, O País, p. 4

SUCESSÃO DE ESCÂNDALOS: Senador e presidente do Senado são réus em processo.

Salgado não conseguiu garantir votação de pedido de arquivamento do caso.

BRASÍLIA. O processo contra o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) está agora sem relator. Em menos de 24 horas, o senador Wellington Salgado (PMDB-MG) foi nomeado para o cargo e, seguindo Epitácio Cafeteira (PTB-AP), renunciou ontem, depois de não conseguir garantir a votação de seu parecer pedindo o arquivamento do caso. O presidente do Conselho de Ética, Sibá Machado (PT-AC), tem duas opções: esperar que Cafeteira, que está de licença médica, recupere-se e aceite continuar no posto, ou conseguir convencer outro integrante a aceitar a função.

Logo no início da sessão, o senador José Nery (PSOL-PA) apresentou uma questão de ordem pedindo a impugnação de Salgado como relator, alegando que ele é co-réu, juntamente com Renan, em ação popular que tramita na Justiça de Goiás. Por isso, não poderia agir de forma isenta. O pedido foi baseado no artigo 306 do regimento, que diz que o parlamentar pode escusar-se de votar se o assunto envolver interesses pessoais. Sibá respondeu que só o relator poderia abrir mão da função se se sentisse impedido. O senador escolheu continuar:

- Eu desejo continuar como relator. Quero tanto que vou repetir: quero continuar como relator - disse.

"Ninguém vai ligar para sua mulher e pedir que fique"

Mas, quando Sibá defendeu o adiamento dos trabalhos e a realização de novas perícias, ele disse que renunciaria. De nada adiantaram os apelos, irônicos, de alguns senadores, para que continuasse.

- O senhor não pode ser nomeado relator de manhã e renunciar à tarde. Aqui ninguém vai ligar para sua mulher para pedir que o convença a continuar. Aliás, nem mulher você tem - disse o senador Sérgio Guerra (PSDB-PE), lembrando a renúncia de Cafeteira.

- Tenho sim alguém que pode me ligar, mas não vai ligar. Aliás, estou com muita saudade - respondeu Salgado, afirmando que analisou os documentos e a perícia da Polícia Federal, e que estava convicto do relatório que havia elaborado de manhã.

- Eu desisto de ser o relator porque não sinto aqui uma vontade de se julgar alguém pela questão da quebra do decoro. Não concordo com o jogo que está se jogando aqui.

Com quase dois metros de altura e vasta cabeleira, Salgado assumira o posto disposto a salvar o amigo Renan da investigação. Ele é suplente do senador Hélio Costa (PMDB-MG), ministro das Comunicações, e herdeiro de um império de universidades particulares em vários estados - a Universo, envolvida numa polêmica jurídica que inclui Renan.

O presidente do Senado responde a ação popular na Justiça de Goiás por ceder imóvel público em Goiânia à Universidade Salgado de Oliveira (Universo). Renan é acusado de simular um contrato de comodato - ceder o bem gratuitamente - para depois vender um terreno público avaliado em mais de R$4 milhões por R$840 mil à universidade de Salgado. O imóvel fica no setor Sul de Goiânia, área nobre da cidade, onde funciona a instituição, com cerca de 12 mil alunos. A ação exige a devolução do terreno.

Documentos mostram que, em 1996, quando Renan presidia a Companhia Nacional de Escolas Comunidade (CNEC), entidade filantrópica que recebe recursos da União, ele e Salgado assinaram o contrato de comodato, cedendo por 20 anos, prorrogáveis por mais 20, o imóvel à Universo. A cláusula 4ª do mesmo contrato revela a existência de outro documento paralelo, de pacto de compra e venda entre as partes. O imóvel, de 5.300 metros quadrados, fora doado em 1953 à CNEC pelo governo de Goiás para a construção de escolas para alunos carentes.

O processo está no Superior Tribunal de Justiça (STJ), que definirá qual a instância competente para dirimir o conflito. Na época da CPI dos Sanguessugas, o deputado Fernando Gabeira (PV-RJ) teve um acirrado embate com Salgado. Ele divulgou o caso do terreno e acusou Salgado de ter dado a Renan uma TV de plasma em agradecimento.

Ontem, ao falar sobre a denúncia, Salgado alfinetou Gabeira, que estava no plenário:

- Existe, sim, uma ação civil pública, mas não é verdade que o terreno me foi doado. Quem lhe disse isso deve estar sob o efeito de alguma coisa entorpecente proibida.