Título: PF: há 500 bois 'voadores', sem guia de transporte
Autor: Carvalho, Jailton de e Franco, Ilimar
Fonte: O Globo, 21/06/2007, O País, p. 8

SUCESSÃO DE ESCÂNDALOS: Para perícia, inconsistências justificam investigação sobre o patrimônio do parlamentar.

Laudo afirma que há diversas inconsistências na defesa de Renan, incluindo ainda depósitos sem origem.

BRASÍLIA. O laudo do Instituto Nacional de Criminalística da Polícia Federal sobre a contabilidade do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), aponta a existência de depósitos de aproximadamente R$230 mil, em 2004, numa conta do senador no Banco do Brasil sem comprovação com nota fiscal da origem do dinheiro. O documento informa ainda que há um excedente de pelos menos 500 bois, avaliados em mais de R$600 mil, no rebanho que o senador diz ter vendido entre 2005 e 2006. Para a perícia, são inconsistências graves que justificariam investigação sobre o patrimônio de Renan.

O laudo do INC foi entregue ao Conselho de Ética do Senado terça-feira. Renan apresentou parte de sua contabilidade ao conselho para justificar o pagamento de pensão de R$12 mil mensais à filha que tem com a jornalista Mônica Veloso. Mas o laudo da PF se voltou contra o senador.

Entre as contradições mais contundentes apontadas pela perícia estão os depósitos de cerca de R$230 mil numa conta de Renan, que teriam sido feitos em abril de 2004. Para justificar o ganho extra, o senador apresentou recibos da venda de bois, mas não entregou as notas fiscais correspondentes ao negócio. Para a perícia, sem notas fiscais, os recibos assinados pelo próprio Renan não tem valor jurídico. Embora não especifique no laudo, a perícia entende que esse é um caso de renda sem a devida comprovação.

O laudo sustenta ainda que Renan deixou sem explicação a venda de pelo menos 500 bois entre 2005 e 2006. Nesse período, ele diz ter vendido 2.200 bois, conforme os documentos que repassou ao Conselho de Ética. Mas os peritos só encontraram guias de transporte de animais referentes a 1.700 cabeças. Essas guias são licenças obrigatórias que as autoridades sanitárias devem emitir para autorizar o transporte de bois de uma fazenda para outra ou do pasto para o frigorífico.

Com base em dados fornecidos pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA), O GLOBO calculou que, se o rebanho excedente fosse vendido hoje, Renan ganharia aproximadamente R$630 mil. Para a perícia, o descompasso entre as notas fiscais e as guias de transporte não é banal. Se não houver uma explicação adicional, o caso pode se configurar em emissão de notas fiscais calçadas. Em geral, esse tipo de documento é emitido para justificar negócios fictícios.

O laudo da PF também não deu atestado de autenticidade para os documentos apresentados pelo presidente do Senado. A PF analisou as cem guias de transporte de animais entregues pelo senador e concluiu: "Cabe informar que as Guias de Transporte de Animais (GTAs) foram apresentadas de forma desvinculada das notas fiscais de venda de gado". Por isso, seu lado afirma que "as informações das guias examinadas não foram suficientes para que os peritos concluíssem, de forma irrefutável, que essas eram referentes às notas fiscais apresentadas".

Essa também foi a conclusão dos peritos da PF em relação às notas fiscais apresentadas pelo senador. O laudo, assinado pelos peritos David de Oliveira e Luigi Pedroso Martini, diz: "Quanto ao aspecto ideológico das notas fiscais não foi possível concluir pela autenticidade das notas fiscais, uma vez que, com base na documentação enviada para exame, não foi possível afirmar que as transações comerciais ali descritas efetivamente ocorreram (entrega de gado)".

O relatório, de 20 páginas, também diz que as empresas GF da Silva Costa e Stop ? Comercial de Carnes e Derivados Ltda não estavam habilitadas para realizar transações comerciais à época das vendas de gado que teriam sido feitas por Renan. A GF, segundo a Secretaria da Fazenda alagoana, está inativa, e a Stop somente foi habilitada em 13/6/2007. No que se refere aos compradores, os peritos da PF asseguram: "não foi possível verificar se apresentavam situação econômico-financeira compatível com a realização de transações à época".