Título: Legislativo infiltrado
Autor: Werneck, Antonio
Fonte: O Globo, 21/06/2007, Rio, p. 15

A MÁFIA OFICIAL

Hurricane 2 aponta elos da quadrilha dos caça-níqueis na Alerj e na Câmara de Vereadores.

Numa operação cercada de sigilo e que contou com 120 policiais de Brasília e a colaboração da Secretaria de Segurança, a Polícia Federal acredita ter desarticulado, com a prisão de 24 pessoas anteontem e ontem, um grupo da máfia dos caça-níqueis com ligações nos poderes legislativos estadual e municipal. Foi a segunda fase da Operação Hurricane. A Justiça Federal decretou a prisão preventiva de 36 pessoas, mas quatro conseguiram fugir e oito já estavam presas.

Em relatório confidencial encaminhado à Justiça, o delegado Renato Porciúncula, titular da Diretoria de Inteligência Policial (DIP) da PF de Brasília, que coordenou a operação, citou como exemplo de infiltração no Poder Legislativo do estado o caso do policial civil Miguel Laino. Preso em casa na noite de anteontem, o policial foi flagrado em escutas negociando supostamente propinas da cúpula da contravenção. Até março, Laino trabalhava no gabinete do deputado Jorge Picciani (PMDB), presidente da Assembléia Legislativa do Rio. Com a deflagração da primeira fase da Hurricane, em 13 de abril deste ano, Laino foi afastado do gabinete.

Funcionário da Procuradoria fugiu

A PF também identificou um braço da quadrilha na Câmara de Vereadores do Rio. Segundo as investigações, José Renato Barbosa de Medeiros, filho de Abelardo Barbosa, o Chacrinha, preso ontem, tinha estreitas ligações na Câmara e é suspeito de usar o prestígio do pai, morto em 1988, para servir de intermediário na captação de propina de contraventores. A PF não revelou se parte do dinheiro era repassada a políticos do Rio, mas assegurou que policiais civis e militares recebiam. Na década de 80, ele ocupou cargo de confiança na Câmara. José Renato, que é paraplégico, passou mal e teve permissão para cumprir prisão domiciliar.

Os policiais federais também disseram que Luciano Andrade do Nascimento, o Bola, que conseguiu fugir e está sendo caçado, era funcionário da Procuradoria do Município do Rio. Foi na casa de Bola que a PF apreendeu, na primeira fase da operação, a documentação revelando que o pagamento de propinas às polícias Civil, Militar e Federal chegava a R$1 milhão por mês. A lista de propinas mostra que a contravenção entrega, por mês, R$848 mil para policiais civis, R$51 mil à PM e R$240 mil a agentes federais. A análise do material apreendido deu origem à segunda fase da operação.

Bola, que teve mandado de prisão expedido, é apontado pela PF como braço-direito de Júlio Guimarães - que já estava preso -, principal tesoureiro da organização criminosa chefiada por Capitão Guimarães e Anísio da Beija-Flor. Sobrinho de Capitão Guimarães, Júlio era o responsável pela liberação do dinheiro usado no pagamento de propinas a policiais e, segundo a PF, no financiamento de campanhas de alguns políticos fluminenses.

A Polícia Federal também prendeu na Hurricane 2 o inspetor Fernando Rodriguez Santos, o Salsicha. Considerado um policial operacional, especializado no combate ao tráfico de drogas no estado, ele durante vários anos trabalhou na Delegacia de Repressão a Entorpecentes (DRE) e foi lotado na Coordenadoria de Inteligência Policial (Cinpol). Salsicha, segundo a PF, também teria se especializado em receber propina da contravenção, mas os recursos teriam sido repassados para a campanha eleitoral da deputada federal Marina Maggessi (PPS-RJ). Os pagamentos foram intermediados por Marco Antônio dos Santos Bretas, o Marcão, que está preso.

Um relatório da Diretoria de Inteligência Policial (DIP) detalha como funcionava supostamente o esquema que teria beneficiado a deputada Maggessi: "No período compreendido entre agosto de 2006 e fevereiro de 2007, no Rio de Janeiro, a organização criminosa investigada, através de ação determinada por Ailton Guimarães, vulgo Capitão Guimarães, e seu sobrinho, Júlio Guimarães Sobreira, ambos ligados à Aberj, atenderam a solicitação de vantagem indevida - sob título de contribuição para a campanha eleitoral da inspetora da Polícia Civil Marina Maggessi de Souza para o cargo de deputada federal formulada pelo policial civil Fernando, vulgo Salsicha". O relatório da PF foi encaminhado ao procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza. A deputada Magessi voltou ontem a negar que tenha recebido dinheiro:

- Fiquei arrasada com a prisão dele. Fernando não tem nenhum tipo de envolvimento com caça-níqueis, nem mesmo segurança particular.

Dos 36 mandados, 20 eram de pedidos de prisão de policiais civis (dois deles delegados com cargo de comando). Segundo a assessoria da Secretaria de Segurança, apenas um - o inspetor Paulo Roberto Moreira da Silva, o Paulo Boca - continuava foragido. Também foram presos dois policiais federais: o delegado Júlio Bilharinho, chefe do Núcleo de Operações da Delegacia de Polícia Marítima, e Antônio Oton Paulo Amaral, também da Delegacia Marítima. Outro preso na operação foi o major da PM do Rio Márcio Andrade Vasconcelos. Os outros presos seriam ligados ao segundo escalão da contravenção. Entre os oito que tiveram a prisão decretada, mas já se encontram detidos desde a Hurricane 1, estão os contraventores Antônio Petrus Kalil, o Turcão; Aniz Abrahão David, o Anísio da Beija-Flor; Ailton Guimarães Jorge, o Capitão Guimarães; e seu sobrinho, o advogado Júlio Cesar Guimarães Sobreira.

Os presos começaram a ser levados no início da noite da terça-feira para a sede da Superintendência da PF no Rio. Também teria sido presa Jacqueline da Conceição Silva, secretária de Julio Guimarães. Ela trabalhava no escritório da Tijuca onde a polícia encontrou, numa parede falsa, cerca de R$5 milhões. A operação não seria deflagrada agora, mas os coordenadores suspeitaram de vazamento e resolveram antecipá-la.

COLABORARAM Marco Antônio Martins e Jorge Martins