Título: Leite com preço amargo
Autor: Ribeiro, Fabiana e D'Ercole, Ronaldo
Fonte: O Globo, 21/06/2007, Economia, p. 25

Escasso, produto custa até 40% mais para consumidor. Derivados também estão mais caros.

O preço do leite não pára de subir. Nos últimos 30 dias, os supermercados registraram aumentos de até 40,2% no longa vida. A alta é uma reação imediata à escassez do produto no mercado interno, não só por causa da entressafra, mas também pelo aumento das exportações brasileiras. Como houve quebra de safra em alguns países, a cotação do leite subiu muito no mercado externo, o que atrai os produtores nacionais. Não há, segundo especialistas, qualquer perspectiva de recuo de preços, muito pelo contrário. Segundo a Bolsa de Gêneros Alimentícios do Rio, um litro de leite pode chegar a R$3 em agosto - acima, inclusive, de alguns cortes de carne de segunda.

- Nas lojas, já não há tanto estoque. Não se vê mais pilhas de leite. Com pouco produto, o preço sobe - disse José de Sousa, presidente da Bolsa de Gêneros Alimentícios do Rio.

A reboque do leite, seus derivados encareceram. De acordo com a Fundação Getulio Vargas (FGV), a mussarela ficou, na segunda semana de junho, 4,7% mais cara. Subiram ainda os queijos prato (4,24%), minas (2,30%), o sorvete (3,32) e o iogurte (1,29%).

- O queijo é negociado no atacado a R$9,50. Há um mês, era R$7,50. E a tendência é de alta - disse Sousa.

Segundo André Braz, economista da FGV, os derivados do leite têm folego para novas altas:

- Como ainda há muitos desses produtos estocados, a contaminação dos preços não chegou ao fim.

Litro já está custando mais do que um dólar

Depois de romper a barreira dos R$2, o preço do leite já está valendo mais do que um dólar. No Zona Sul, o longa vida da Parmalat sai a R$2,10. No Prezunic, a caixa do Elege está a R$2,09 (alta de 34,8% nos últimos 30 dias) e o Milênio, está por R$1,95 (40,2%). No Princesa, o Parmalat está custando R$2,39 (3,5%).

- Conversas com fornecedores e pessoas do ramo apontam que a perspectiva é de o preço subir até agosto - disse João Márcio Castro, do Princesa.

Genival de Souza, diretor do Prezunic, se queixa da queda no volume de vendas. Nos últimos 30 dias, o impacto foi de 20%. Com preços promocionais acima de R$2, ele não espera bom desempenho do setor:

- Há um mês podia-se comprar leite a R$1,09 na promoção. O consumidor se vê obrigado a usar o critério de preço e trocar marcas.

Na avaliação de Laércio Barbosa, vice-presidente da Associação Brasileira da Indústria de Leite Longa Vida (ABLV), os preços devem ficar estáveis apenas em setembro - fim do período de entressafra.

- Espera-se que o leite seja vendido a um preço médio de R$1,80.

Levantamento do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP) mostra que houve este ano uma redução na oferta de leite em relação a 2006. Em abril, o volume produzido foi 0,9% menor que o do mesmo mês de 2006.

- Com a queda na produção e o consumo maior, os preços ao produtor vêm sendo reajustados sistematicamente - disse Gustavo Beduschi, pesquisador do Cepea.

Nos últimos dez anos, segundo o Cepea, o consumo per capita de leite no Brasil cresceu 6%, enquanto que o consumo total avançou 22%.

Beduschi confirmou que os preços externos do produto estão em alta. A tonelada de leite em pó era cotada entre US$4.860 e US$5.400 em maio na Europa, mais que o dobro da faixa entre US$2.275 e US$2.450 de maio de 2006.

Diante desse cenário, os produtores aproveitam para fazer reajustes. Em São Paulo, os preços do leite ao produtor atingiram R$0,6176, valor 18% maior que a cotação de R$0,521 de maio do ano passado. Descontando a inflação, a alta ao produtor é de 15%. Reajustes que atingem toda a cadeia.

Aumentos não devem comprometer a inflação

A disparada dos preços do leite colocou o produto no topo da lista dos itens que mais pressionaram o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), da Fipe, de São Paulo. A taxa variou 0,49% no período de 30 dias encerrado no dia 15 de junho, e os preços do leite longa vida acumularam ganhos de 14,16%. No IPC-S, da FGV, o leite subiu 12,90% no mesmo período, e também foi o item que registrou maior variação.

- A alta (de 12,9%) é expressiva, porque o leite é um produto com peso grande no orçamento das famílias, quando a inflação está rodando perto de 4% ao ano - afirma o coordenador do IPC-S em São Paulo, Paulo Picchetti.

Apesar dos preços em alta, o economista João Gomes, da Fecomércio-RJ, descarta efeitos significativos na inflação. Há, segundo ele, efeitos compensatórios:

- Mesmo o leite tendo sido a maior contribuição individual da inflação de maio, o que se vê são questões pontuais, compensadas, por exemplo, pelo preço das carnes, em baixa - disse Gomes, para quem o IPCA em junho pode ficar entre 0,25% e 0,30%.