Título: Ex-sócio e ex-piloto de PC Farias vira dono e chef de restaurante
Autor: Medeiros, Lydia
Fonte: O Globo, 22/06/2007, O País, p. 4

Quinze anos depois, acusado em oito processos, ele só foi punido em um

Ele está mais magro, os cabelos são quase todos brancos e o olhar não carrega mais a arrogância exibida pelos personagens daquele tempo. Jorge Bandeira de Mello, amigo, ex-sócio e ex-piloto do "Morcego negro", o jatinho do falecido empresário Paulo César Farias, o PC - tesoureiro de Fernando Collor de Mello e sinônimo de corrupção -, trocou a aviação pelas panelas. Há dez anos comanda o restaurante Le Corbu (homenagem ao arquiteto suíço Le Corbusier), um dos mais prestigiados de Maceió.

Foi uma guinada radical. Hoje, 15 anos depois de o impeachment tirar o ex-presidente do Palácio do Planalto, Bandeira admite:

- Eu errei. Eu me arrependo. E agora tento recomeçar a cada dia.

Em julho de 1993, a bordo de um bimotor, ele conduziu PC em fuga para a Argentina. Ambos tinham um caldeirão de acusações nas costas. Quatro meses depois, PC foi capturado na Tailândia. Bandeira ficara foragido na Argentina, onde foi preso em maio do ano seguinte, e depois extraditado. Passou nove meses na cadeia, por sonegação fiscal. Ainda responde a sete outros processos - em plena liberdade, apesar de já condenado em seis deles.

"Tenho muitos amigos. Em Alagoas há uma família só"

Bandeira, entre outros crimes, foi acusado de ter assinado cheques em nome de "laranjas" de PC que movimentaram milhões de dólares, depositados, à época, em paraísos fiscais. Ele nega ter ficado com parte da fortuna. Diz que a única herança deixada por PC foram montanhas de processos.

- Por mim, não passou um tostão - diz.

Se pudesse voltar atrás, afirma, insistiria com o amigo para que ambos se entregassem à polícia.

- Hoje eu não fugiria. Fugi para ajudar o PC. Ele era uma pessoa totalmente dependente, não podia deixá-lo só. Esconder aquelas sobras de campanha foi um erro terrível. Mas o tempo faz com que você veja a vida de forma diferente.

Aos 56 anos, Bandeira, tal como o ex-presidente Collor, é um entusiasta do governo Lula. Votou nele nas duas últimas eleições. Mas não tem preferências políticas nítidas:

- Tenho muitos amigos em todos os partidos. Em Alagoas, há uma família só.

A família alagoana inclui Collor - "um amigo" - , o governador tucano Teotonio Vilela - "acredito nele, tem vontade de acertar" - e o senador Renan Calheiros (PMDB):

- Ele (Renan) vai se sair bem. Não entregaria documentos falsos, porque seria uma loucura, e ele não é assim.

Falar do passado, só quando provocado pela imprensa

Para Bandeira, a atual avalanche de denúncias de corrupção mostra que o país está mudando. Ele discorda da avaliação geral da sociedade brasileira de que um dos problemas crônicos do país é a impunidade. E julga ter recebido seu castigo:

- De uma forma ou de outra, você é punido. Não significa exclusivamente ir para a cadeia. Há outras punições que destroem uma vida. Eu me considero punido por meus erros. Aos 45 anos, mudei de vida, de profissão, de mulher. Não foi fácil recomeçar do zero.

Ontem, em meio aos preparativos para um festival de gastronomia na cidade, no hotel Copa Sul, em Copacabana, Bandeira disse não olhar mais para o passado - a não ser quando provocado pela imprensa. Tampouco revela planos para o futuro:

- Vivo apenas um dia atrás do outro.

Sua maior preocupação é a gastronomia. Prefere não rotular sua cozinha, que usa produtos regionais e técnica francesa: "Está em evolução". Autodidata, diz não ter preconceitos culinários.

- De Carême (Antoine Carême, maior cozinheiro do século XIX) a Adriá (Ferran Adriá, chef catalão, expoente da gastronomia contemporânea), tudo é válido. É preciso experimentar, mas nunca perder o sabor.