Título: O jogo político na fronteira com o Paraguai
Autor: Kakih, Fouad Mohamad
Fonte: O Globo, 22/06/2007, Opiniao, p. 7

Foz do Iguaçu, na fronteira com o Paraguai, tem sido vítima das políticas adotadas pelo governo federal. Como resultado dos acordos feitos a portas fechadas, pela generosidade ou até conveniência, resta sempre a repressão como saída para os equívocos oficiais na política para as fronteiras.

A região sofre. Sua gente é atingida pelas decisões monocráticas e acusações de financiamento do crime organizado e do terrorismo. Entre os acusadores estão representantes do governo. Apoiados por instituições a serviço de mantenedores e financiadores, eles julgaram e condenaram a região excluindo a participação local nos debates.

Nestes 40 anos de residência e comércio, assisti, questionei e critiquei atos impensados adotados sistematicamente. E podemos estar, novamente, diante de medidas paliativas que amenizam, mas não solucionam o caos social gerado pela repressão federal. Novamente, a fronteira vai servir aos interesses governamentais.

Pela conveniência, diante da pressão paraguaia exigindo a revisão do Tratado de Itaipu, é admitida a regulamentação da atividade dos "sacoleiros". A decisão será adotada sem olhar para trás e reconhecer que a economia de Foz do Iguaçu foi esquartejada pela repressão justamente no combate a essa atividade. Atitude oposta àquilo que declaravam os delegados fazendários. Para eles, defender o "sacoleiro" era compactuar com o contrabando.

Agora é interesse de Estado. E o governo busca saídas sem ouvir a comunidade. Tem lá os seus motivos.

Vai "compactuar" com sacoleiros para defender interesses no Tratado de Itaipu. Não teve a mesma preocupação quando impôs um combate desmedido a essa atividade informal, fazendo crescer o desemprego formal, a criminalidade e a violência em uma importante cidade turística brasileira.

Tem sido assim. Nos últimos 40 anos o governo utilizou a fronteira politicamente deixando de lado a preocupação com os moradores e empreendedores locais.

A decisão adotada para atender interesses paraguaios não protege ou recompensa Foz do Iguaçu pelas agressões sofridas. Não devolve a tranqüilidade, o desenvolvimento ou a dignidade para boa parte da população.

Não anula os efeitos do desemprego e da desagregação de valores éticos e morais que levaram uma parcela da população a considerar como normal a realização de atividades informais classificadas como contravenção.

Simplesmente regulamentar o "sacoleiro" não vai reabrir as portas das exportadoras fechadas com a malfadada integração aduaneira. Muito menos garantir a qualidade de vida usurpada pelas ações repressivas que tornaram a cidade um cenário de guerra urbana. Ou restituir a imagem turística deturpada após décadas de trabalho.

Entre as propostas que recentemente apresentei aos representantes governamentais, destaco:

* instituição de um Fundo de Desenvolvimento Social e Econômico para Foz do Iguaçu com alíquota pré-estabelecida sobre o valor das mercadorias adquiridas nas compras realizadas sob o novo modelo fiscal;

*instalação de um escritório do Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para liberar créditos destinados a projetos de desenvolvimento regional;

* os produtos brasileiros devem ser competitivos e a carga tributária reduzida em atividades econômicas destinadas à recuperação de Foz do Iguaçu;

* a cidade deve contar com entrepostos aduaneiros para a comercialização e industrialização de mercadorias nacionais e estrangeiras;

* o comércio de fronteira deve ser regulado pelo despacho aduaneiro simplificado;

* a imagem turística exige divulgação no país e no exterior com recursos do Ministério do Turismo e da Embratur;

* a cota para turistas, por justa eqüidade entre a cota terrestre e aérea, deve ser elevada de US$300 para US$500 dólares e lojas francas devem ser instaladas nas áreas primárias das Pontes da Amizade e Ponte Tancredo Neves - a exemplo da que já existe em território argentino.

É urgente determinar o prazo mínimo de desembaraço das mercadorias adquiridos pelos "sacoleiros" gerando pernoites na rede hoteleira. Mas, especialmente, realizar um diagnóstico econômico e social para apontar responsabilidades pelos erros do passado e obrigações nos passos futuros.

Tudo isso foi apresentado às autoridades. Espero que uma delas realmente se preocupe com o fato de que a proposta oficial de regulamentação do "sacoleiro" não é garantia de ressarcimento à cidade pelos danos causados. Pode, sim, torná-la um mero corredor.

Os paraguaios recusaram os espelhinhos, ou "espejitos". Resta saber se nós vamos aceitá-los e admitir, mais uma vez, que impere a conveniência do governo sobre os interesses do cidadão iguaçuense.

FOUAD MOHAMAD FAKIH é empresário.