Título: Fracassa a última tentativa de salvar Doha
Autor: Magalhães-Ruether, Graça e Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 22/06/2007, Economia, p. 29

Negociações do G-4 são interrompidas diante de pressões dos ricos por maior abertura industrial, sem contrapartida.

POTSDAM, Alemanha, e RIO. A última tentativa de salvar a Rodada de Doha, para a liberalização do comércio mundial, fracassou ontem. Depois de três dias de discussões entre Estados Unidos, União Européia (UE), Brasil e Índia, grupo que forma o G-4 e representa as principais vozes na Organização Mundial do Comércio (OMC), as negociações foram interrompidas antecipadamente ontem em Postdam, na Alemanha. O encontro estava previsto para terminar apenas amanhã.

O impasse surgiu porque os EUA e UE exigiram concessões maiores em abertura do setor industrial, sem, no entanto, oferecer uma contrapartida em acesso a mercados e redução de subsídios agrícolas que satisfizesse os países em desenvolvimento. Segundo o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, os países ricos adotaram a tática de ¿fazer joguinho¿. Durante a entrevista coletiva, sentado ao lado do ministro do Comércio da Índia, Kamal Nath, Amorim afirmou que ¿Potsdam não foi muito bem-sucedida¿.

¿ Era inútil continuar as discussões com base nos números colocados sobre a mesa ¿ disse Amorim.

EUA acusam Brasil e Índia de prejudicar os mais pobres

Já a representante de comércio dos Estados Unidos, Susan Schwab, acusou a Índia e o Brasil de terem abandonado a mesa de negociação e de terem convocado os jornalistas para uma entrevista coletiva ainda antes do fracasso oficial da reunião.

A Casa Branca declarou ontem estar desapontada com o fracasso da reunião e culpou Brasil e Índia por ficarem no caminho de um acordo que poderia ajudar nações menos desenvolvidas. ¿O presidente está desapontado com certos países que estão bloqueando uma oportunidade de expandir o comércio global¿, afirmou o porta-voz da Casa Branca, Tony Fratto.

Na prática, as posições de EUA, UE e dos países em desenvolvimento do G-20, representados em Postdam por Brasil e Índia, pouco avançaram desde julho do ano passado, quando as negociações de Doha foram interrompidas. Agora, será muito difícil concluir a rodada, já que no próximo dia 30 expira o mandato dado pelo Congresso americano ao Executivo do país para negociar acordos internacionais. Esse mandato só poderá ser renovado após a eleição do próximo presidente americano, em novembro de 2008.

Lançada em 2001 na cidade de Doha, no Qatar, a atual rodada na OMC também é conhecida como Rodada do Desenvolvimento. Mas, ontem, Amorim e o indiano Nath afirmaram o contrário, que Potsdam teria como efeito ¿uma desindustrialização¿ dos países em desenvolvimento, por exigir destes uma abertura demasiada de seus mercados.

¿ Seria uma traição aos empresários brasileiros, ao Mercosul e aos países do G-20, que confiaram na gente ¿ disse o chanceler Amorim.

Depois do fiasco em Potsdam, a discussão será retomada pelos 150 membros da OMC, em Genebra, onde fica a sede da organização. Mas são remotas as chances de consenso para concluir a rodada.

Para o consultor Adimar Schievelbein, o Brasil fez bem ao desistir das negociações:

¿ Do jeito que estava, Doha só traria ônus ¿ afirma.

Especialistas afirmam que, diante do fracasso de Doha, surgirão dúvidas sobre que papel a OMC terá no futuro. O órgão é um dos poucos organismos multilaterais que, em tese, dá o mesmo poder de decisão para todos os seus membros. A ONU tem seu Conselho de Segurança, com cinco membros permanentes. No FMI e no Banco Mundial, os países têm o poder de voto definido por cotas de participação. Agora, a OMC perderá força como fórum de incentivo à abertura comercial.

¿ A OMC poderá ficar limitada a um tribunal de solução de controvérsias (disputas comerciais entre seus membros) ¿ alerta Lia Valls Pereira, da Fundação Getulio Vargas.

(*) Correspondente