Título: Degola de 14
Autor: Doca, Geralda e Alvarez, Regina
Fonte: O Globo, 23/06/2007, Economia, p. 33

Aeroportos têm novo caos com 35% de vôos em atraso. Guarulhos e Brasília pararam.

O comandante da Aeronáutica, Juniti Saito, anunciou ontem o afastamento imediato de 14 controladores do Cindacta 1, em Brasília - líderes da operação-padrão iniciada segunda-feira - e um plano de contingência para manter o tráfego comercial em funcionamento, operado só por militares, se necessário. Em pronunciamento, Saito considerou o momento de "extrema gravidade" e culpou os sargentos pelo caos aéreo, em uma declaração que traduz a seriedade da crise, após a ministra do Turismo, Marta Suplicy, ter sugerido aos passageiros "relaxar e gozar", e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, ter dito que os transtornos se deviam à prosperidade da economia.

Apesar da reação do governo, no início da noite, horário de pico, o Aeroporto de Brasília ficou fechado por 40 minutos. A razão, disse uma fonte militar, foram falhas nos equipamentos do Cindacta 1: três dos cinco consoles que monitoram o tráfego para São Paulo - a origem do novo caos - não estavam operando, o que vem ocorrendo desde terça-feira.

A Aeronáutica suspendeu, por volta das 18h, todos os vôos a partir do aeroporto de Cumbica, em Guarulhos (Região Metropolitana de São Paulo) com destino a Norte, Nordeste e Brasília. O motivo alegado eram questões de segurança: tráfego excessivo para poucos equipamentos. Como essa rota também é utilizada nos vôos para EUA e Europa, estes foram suspensos. Uma hora depois, a Infraero informou que os vôos para Europa e EUA haviam sido retomados. Os nacionais recomeçaram, com intervalos de 15 minutos. Em Congonhas (SP), às 18h15m, os vôos para Norte, Nordeste e Centro-Oeste, suspensos às 16h27m, voltaram a decolar com intervalo de 15 minutos.

Lula suspende MP com gratificações

Segundo a Infraero, dos 1.784 vôos programados de meia-noite às 21h30m, 625 (35%) tiveram atrasos superiores a uma hora e 142 (7,9%) foram cancelados. Os maiores índices de atrasos foram em Confins (MG) - 42 dos 64 vôos (65,6%) - e Recife - 35 de 54 (64,8%). Quatro vôos foram cancelados em Confins e seis, em Recife. No Galeão, 77 dos 175 vôos atrasaram (44%) e 28 foram cancelados, e em Congonhas, foram 47 atrasos (17,6%), dos 266 vôos programados. Em Guarulhos, dos 212 vôos previstos, 46 atrasaram (21,7%). E em Brasília, foram 73 atrasos (54,8%) dos 133 previstos.

Os profissionais afastados foram transferidos para o Controle de Defesa Aérea, mas não vão operar vôos.

- Esse comportamento é inaceitável, porque viola o inalienável direito de ir e vir das pessoas, criando enormes sofrimentos para os passageiros e interferindo na ordem da sociedade - disse Saito.

O plano, que inclui remanejamento de pessoal e reforço de equipamentos, foi discutido em reunião com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o ministro da Defesa, Waldir Pires, pela manhã. Lula deu carta branca para Saito atuar na crise.

- Traga quem quiser, tire quem quiser. Eu quero que se normalize a situação. A população brasileira não agüenta mais - disse Lula a Saito.

Lula deixou claro que a hierarquia e a disciplina militar devem ser respeitadas e criticou os controladores. Ele também suspendeu a medida provisória (MP) que cria gratificações para os controladores até que a situação se normalize.

- Quando um cidadão (controlador) não dá a mínima para pessoas que estão no aeroporto, isso é um desrespeito. Se eles vieram para as Forças Armadas têm que cumprir o regulamento - afirmou Lula.

Segundo Saito, há três dias, sempre nos horários de pico, alguns sargentos se recusaram a operar equipamentos, apesar de a equipe técnica atestar a boa qualidade das máquinas:

- Essa postura resultou na diminuição do número de aeronaves controladas por eles, a partir de Brasília, e consideráveis atrasos.

Segundo ele, a estratégia de alguns controladores de repassar relatórios de perigo a entidades representativas colocou em xeque a instituição e a confiabilidade no sistema de controle do tráfego aéreo:

- A todos os brasileiros e brasileiras, eu asseguro, em nome da Aeronáutica e do presidente da República, que desvios de conduta que venham a ferir ou macular os princípios basilares da hierarquia e da disciplina serão absolutamente conduzidos dentro dos trâmites da lei.

O presidente da Associação Brasileira de Controladores de Tráfego Aéreo, Wellington Rodrigues, já recebeu aviso de que será punido por ter dado entrevista ao "Fantástico", da TV Globo, a exemplo de outros controladores com prisão decretada.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores de Proteção ao Vôo, Jorge Botelho, disse temer a reação dos controladores:

- Isso só piora a situação. Tenho receio das repercussões da punição. Não sei o que pode acontecer.

Botelho criticou o plano de contingência, afirmando que controladores de defesa aérea não estão treinados nem são homologados para controlar avião civil. Além disso, o efetivo é pequeno, cerca de 140, e não poderá suprir os centros de controle em caso de paralisação. Para o professor de Transporte Aéreo da UFRJ Respício do Espírito Santo Júnior, as medidas da FAB não colocarão um ponto final na crise, que demanda investimentos em equipamentos e pessoal:

- São medidas paliativas. O estrago já está feito. De que adianta afastar os controladores?

O recado de um militar, que ontem de manhã convocava os colegas de defesa aérea ao Cindacta 1, era claro:

- Se prepara, que o clima aqui está tenso.

Quem estava em treinamento fora de Brasília foi chamado às pressas para ficar de prontidão, sem previsão de voltar para casa. Em caso de paralisação, esse contingente evitará que os aeroportos fechem.

- O clima entre nós (controladores dos centros e de defesa) está muito ruim - contou um militar, acrescentando que o Comando proibiu uso de celular e internet no Cindacta, além de reforçar a vigilância, com novas câmeras.

- Há uma hostilidade velada - contou um oficial.

- Vamos até às últimas conseqüências. Não há mais volta - reforçou outro oficial de alta patente.

O endurecimento começou na noite de quinta-feira, quando o comandante do Cindacta 1, coronel Eduardo Raulino, reuniu os controladores e disse que a Aeronáutica tinha o respaldo de Lula. O PSOL vai entrar com representação no Ministério Público Militar questionando a prisão de líderes de associações de controladores por declarações à imprensa.

FAB PREVÊ TRANSFERÊNCIA DE CONTROLADORES, na página 34