Título: A CIA mostra seus esqueletos
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 23/06/2007, O Mundo, p. 39

Agência liberará documentos que revelam tentativas de assassinato e espionagem interna.

Alguns dos principais segredos da CIA, a Agência Central de Inteligência dos Estados Unidos, referentes ao trabalho sujo que ela realizou ao longo de 25 anos, abrangendo as décadas de 50 a 70, serão revelados na próxima segunda-feira pela própria CIA.

A inesperada divulgação de um volume com 693 páginas, que fora compilado em 1974 mas vinha sendo mantido em segredo até agora, deve-se principalmente à iniciativa do novo diretor da CIA, o general Michael V. Hayden, que é um historiador:

¿ A maior parte é desabonadora, mas, afinal... é a história da CIA ¿ justificou, ao anunciar o pacote que definiu como ¿as jóias da família¿.

Os papéis contêm detalhes de artimanhas ilegais cometidas pela agência, como espionagem doméstica (a CIA, por lei, só pode espionar no exterior) e tentativas de assassinatos de mandatários estrangeiros: Fidel Castro (Cuba), Rafael Trujillo (República Dominicana) e Patrice Lumumba (República Democrática do Congo).

No início dos anos 70, pouco depois de assumir a direção da CIA, William Colby realizou uma investigação interna ¿ com a ajuda do FBI, a polícia federal ¿ sobre as atividades irregulares da agência, sobre as quais ouvira falar. Ele estava determinado a fazer uma limpeza ¿ ou, como disse, a ¿retirar os esqueletos do armário da CIA¿.

À medida que essa operação começou a avançar, algumas informações foram vazadas para o repórter Seymour Hersh, do ¿New York Times¿, que, em dezembro de 1974, relatou em sua primeira página que a CIA espionara americanos engajados na campanha contra a Guerra do Vietnã e outros dissidentes durante o governo de Richard Nixon. Cerca de dez mil americanos foram espionados pela agência.

Ela montara escutas telefônicas ilegalmente, grampeando conversas de vários jornalistas, além de interceptar correspondência, em especial cartas trocadas entre pessoas nos EUA e na União Soviética e também na China. Entre o material bisbilhotado estavam quatro cartas dirigidas à atriz Jane Fonda, ativista-símbolo das manifestações contra a guerra.

Fidel Castro e Lumumba marcados para morrer

O então secretário de Estado e conselheiro de Segurança Nacional da Casa Branca, Henry Kissinger, ficou indignado com a decisão de Colby: ¿Helms (senador Richard Helms, então ex-diretor da CIA) disse que todas essas histórias são apenas a ponta do iceberg. Se elas aparecerem, sangue vai jorrar. Por exemplo: o fato de Robert Kennedy ter cuidado pessoalmente da operação de assassinato de (Fidel) Castro¿, queixou-se Kissinger ao então presidente Gerald Ford, segundo um dos documentos.

Nessa mesma conversa, no dia 4 de janeiro de 1975, no Salão Oval da Casa Branca, Ford perguntou a Kissinger se a saída seria tirar Colby do comando da CIA. O secretário, aparentemente percebendo que tal ato seria ainda mais comprometedor, respondeu: ¿Não, mas depois que terminar a investigação você poderia transferi-lo e colocar em seu lugar alguém de integridade mais elevada. Quando o FBI tem uma licença para caçar na CIA, isso pode acabar sendo pior para o país do que Watergate¿.

Kissinger argumentou, ainda, que ao expor as sujeiras da CIA, Colby acabaria intimidando os seus agentes, ¿e nós vamos acabar tendo uma agência que apenas produzirá informes, e não operações¿. Numa outra conversa Kissinger desabafou a Ford: ¿O que Colby fez é uma desgraça¿. Este acabaria sendo afastado mais tarde. Para o seu lugar Ford nomeou George Bush, futuro presidente e pai do atual chefe de Estado americano.

Ao anunciar a revelação dos documentos, o atual chefe da CIA, general Hayden, tratou de sugerir que hoje a agência não comete mais irregularidades:

¿ Esse material nos permitirá dar uma olhada numa época muito diferente, e numa agência bem diferente ¿ afirmou, defendendo a divulgação como uma forma de evitar especulações exageradas.

Hayden disse que quando o governo retém informações, ¿mitos e desinformação freqüentemente completam o vácuo como um gás¿. Só que ao dar um exemplo disso, ele acabou admitindo algo que a CIA vinha negando.

Hayden disse que a imprensa, com base num informe do Parlamento Europeu, informou exageradamente que houve 1.245 vôos da CIA, levando prisioneiros para interrogatórios na Europa:

¿ Na verdade a agência reteve menos de cem pessoas em seus locais secretos de detenção no exterior ¿ disse ele, acrescentando que os interrogatórios, que em alguns casos envolveram maus-tratos físicos, produziram informações valiosas.

Enquanto isso, o governo cancelou ontem uma reunião na qual a secretária de Estado, Condoleezza Rice, o secretário de Defesa, Robert Gates, e o conselheiro de segurança nacional, Stephen Hadley, discutiriam o fechamento da prisão de Guantánamo, em Cuba, porque o encontro vazou para a imprensa. Ainda assim, há uma grande pressão para que o centro de detenção, que tem hoje cerca de 400 prisioneiros, seja fechado, pois ele estaria afetando a credibilidade dos EUA no exterior. Isso poderia acontecer em semanas.