Título: A espécie brasileira evoluiu pouco
Autor: Barbosa, Adauri Antunes
Fonte: O Globo, 24/06/2007, O País, p. 4

Cientista lembra que Darwin reclamou da impunidade no Brasil em 1832

Cientista que trabalha na pesquisa de células-tronco embrionárias na USP, a professora Lygia da Veiga Pereira solta a voz da indignação contra a impunidade. Durante visita à exposição sobre Charles Darwin no Museu de Arte de São Paulo (Masp), aberta até 17 de julho, leu uma frase do estudioso da evolução das espécies sobre o Brasil, onde ele esteve em 1832, na qual identifica a impunidade como um dos males que, há 175 anos, já atingia o país. Carioca, Lygia é chefe do laboratório de Genética Molecular do Instituto de Biociências da USP e a primeira geneticista a trabalhar com células-tronco embrionárias no país. Inspirada na frase de Darwin, defende o grito da população nas ruas contra maus políticos.

Adauri Antunes Barbosa

A senhora cita o que Darwin escreveu sobre o Brasil em 1832, no diário sobre a viagem, para mostrar que a impunidade em terras brasileiras remonta há quase 200 anos...

LYGIA PEREIRA: "Se um crime, não importa quão grave seja, é cometido por um homem de posses, é seguro que em pouco tempo ele estará livre. Todos aqui podem ser subornados... Que eu jamais visite uma nação escravocrata." Foi o comentário dele depois de passar seis meses no Brasil. Em 1832! Quer dizer, Darwin estava estudando a evolução da espécie, e a nossa, brasileira, parece que foi uma das que menos evoluiu nesses anos todos.

Mas existe possibilidade de se lutar contra a impunidade.

LYGIA: Olha, tudo começou com o (deputado) Roberto Jefferson, que escancarou todas as falcatruas que acontecem entre os políticos e que foi uma coisa sensacional na época. A gente assistia àquilo com muita esperança de que fosse um marco na História, que fosse o começo do fim da impunidade no Brasil. Achei que era uma oportunidade maravilhosa de o governo Lula dizer: "Olha, a partir de hoje, acabou isso no Brasil".

E, de repente, parece que tudo se repete?

LYGIA: De repente a gente começa a assistir de novo e percebe um corporativismo tremendo entre os membros do Congresso, do Senado. Foi muito doloroso você ficar vendo, escancarado, tudo o que estava acontecendo, e eles se absolvendo. Quer dizer, a gente ficou fazendo papel de palhaço.

É a história da impunidade se repetindo?

LYGIA: Agora com a história do Renan Calheiros está acontecendo a mesma coisa. Começou tudo de novo. Ele fazendo a gente de palhaço com justificativas, os documentos falsos...

Por que tanta impunidade?

LYGIA: Acho que ajuda muito nessa impunidade o fato de a capital do Brasil ser em Brasília, longe dos grandes centros urbanos, do Rio, de São Paulo. Se a capital ainda fosse no Rio, queria ver esses congressistas saírem da Câmara e darem de cara com o povo no Centro do Rio. Quero ver se teriam a mesma coragem que têm, esse corporativismo de se absolverem, de ficarem falando mentiras descaradas na nossa frente!

Como a população pode se defender da impunidade?

LYGIA: A coisa bárbara que a gente tem que se dar conta é do poder que o nosso grito tem. A gente tem que aprender a gritar de volta! Lembra quando eles tentaram aumentar os próprios salários? A pressão popular foi tão grande que aquilo não passou. Acho que agora, nessa história do Renan, de novo a indignação da população está fazendo com que eles digam: "Opa, isso aqui não vai sair barato".

Essa seria a forma de se manifestar a indignação?

LYGIA: Acho que, se a gente reaprender a gritar e se conscientizar dos direitos que tem, não pode ficar sendo feito de palhaço.