Título: Blair: expectativa de futuro agitado após o poder
Autor: Duarte, Fernando
Fonte: O Globo, 24/06/2007, O Mundo, p. 41

Premier parece inclinado a driblar tradição de ocaso de políticos britânicos na aposentadoria e seguir padrão Clinton.

LONDRES. Após renunciar ao cargo de primeiro-ministro do Reino Unido, em 1955, Winston Churchill passou nove anos no Parlamento sem fazer um único discurso. Margaret Thatcher é mais lembrada recentemente pelo apoio ao ditador chileno Augusto Pinochet durante a prisão domiciliar dele em Londres, na década de 90, e dá palpites públicos cada vez mais esporádicos. Uma rotina praticamente impossível de se imaginar para Tony Blair, cuja vida pós-Downing Street poderá ser mais parecida com a de ex-presidentes dos EUA como Jimmy Carter e Bill Clinton do que com a relativamente tradicional rotina de ocaso britânica.

Incógnita sobre vaga no Parlamento

A impressão é de que Blair, cuja renúncia ocorrerá na quarta-feira, tão cedo não sairá de cena. O lobby internacional parece forte: para o presidente da França, Nicolas Sarkozy, o premier britânico seria o nome ideal para ocupar uma eventual Presidência da União Européia, ao mesmo tempo em que se fala num cargo especial para negociações de paz no Oriente Médio. Se uma óbvia razão para tal sobrevida política é o fato de ele ter só 54 anos, há quem também enxergue carisma.

¿ Apesar de Blair ter se desgastado com a invasão do Iraque, não está saindo do governo pela porta dos fundos, como fez Thatcher. Seu governo também ficou marcado por uma aproximação internacional maior, e eu o imagino fazendo a mesma coisa que Clinton, participando de iniciativas internacionais ¿ analisa Chris Pierson, do Centro de Estudos em Ciência Política da Universidade de Nottingham.

Antes do fiasco iraquiano, uma das iniciativas incluía uma possível indicação para o cargo de secretário-geral da ONU, a organização que Blair e George W. Bush ignoraram para atacar Saddam Hussein.

¿ Blair passa imagem de modernidade por conta do trabalho na revitalização do mapa político britânico, com a modernização do Partido Trabalhista. Não sei se aceitaria o Banco Mundial, como se tem ventilado. Ele tem um ego bem grande ¿ brinca o cientista político Tim Bale, da Universidade de Sussex.

Fundação de ajuda à África ou circuito de palestras

E Blair não tem feito muita força para espantar especulações. Ainda não se sabe, por exemplo, o que o premier fará com a vaga parlamentar, embora muita gente não consiga imaginá-lo num papel secundário enquanto o ex-aliado e desafeto Gordon Brown conduz o governo. Uma guinada para o mundo da diplomacia parece bem mais tentadora (e realista) do que a recente ponta num filme indiano sobre aquecimento global, ainda que a questão iraquiana tenha criado desafetos no mundo muçulmano. Outro obstáculo é o fato de que a missão no Oriente Médio costuma ser mais marcada por frustração do que sucesso.

¿ Blair fez muitos inimigos no mundo árabe por causa da amizade com Bush e com a hesitação em exigir de Israel um cessar-fogo no Líbano. Mas certamente também ficou conhecido por pressionar Washington e Tel Aviv na questão palestina. O problema é que mesmo Clinton não conseguiu solução real ¿ analisa Jon Tonge, especialista em política contemporânea da Universidade de Liverpool.

Outros caminhos que Blair poderá seguir passam por uma fundação de ajuda à África ou pelo lucrativo circuito de palestras, que poderá ajudar a pagar a casa de US$7 milhões, comprada em 2004 em Connaught Square, área nobre de Londres e, curiosamente, próxima da maior comunidade árabe da capital.