Título: Ninguém se entende
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 26/06/2007, O País, p. 4

A reforma política passou a ser disputada por duas correntes dentro da Câmara, uma que insiste na lista fechada, e outra que pretende jogar a decisão para o eleitor através de um plebiscito. Os dois grupos estão apresentando "emendas aglutinativas" juntando, como o próprio nome indica, diversas emendas que tratam desde o financiamento público de campanha até a fidelidade partidária, passando pelo sistema eleitoral.

O PT e o PMDB estão à frente da nova tentativa de aprovar o voto em lista, e encontram resistências em diversos partidos pequenos e médios. Pesquisas divulgadas na semana passada confirmaram o que já se desconfiava: PT, com 23%, e PMDB, com 18% das preferências, fechariam um mínimo de 40% do futuro Congresso se a eleição fosse realizada hoje pela lista fechada, com voto apenas na legenda.

Para tentar ganhar o apoio dos outros partidos, porém, desta vez optaram por abrir uma brecha no sistema fechado, introduzindo a possibilidade de o eleitor votar especificamente num candidato, para melhorar sua posição na lista elaborada dentro do partido. Esse sistema é utilizado na Bélgica, na Holanda e na Dinamarca, e seria um atenuante à força das oligarquias partidárias.

Existem países, como a Áustria, a Noruega e a Suécia, em que o eleitor pode mesmo alterar completamente a ordem das listas. Mas, da maneira que está escrita a proposta, o voto na lista fechada é o obrigatório, e a possibilidade de votar em um candidato diretamente é opcional. Se valer a experiência de outros países, raramente a disposição da lista é alterada por essa votação opcional.

O grupo político que é contra qualquer tipo de lista está propondo um plebiscito para que o eleitorado decida qual sistema prefere. A discussão seria feita na campanha municipal de 2008, e as novas regras entrariam em vigor em 2010.

A emenda aglutinativa que está sendo coordenada pelo deputado Miro Teixeira determina que "a consulta a ser formulada, para deliberação do povo, tomará por base, na forma da Lei, os projetos aprovados no Congresso Nacional, que versem especificamente sobre o sistema distrital ou distrital misto, e sobre a forma de apresentação dos candidatos pelos partidos em listas abertas, fechadas, preordenadas, rígidas ou flexíveis".

O deputado Paulo Renato de Souza, do PSDB, que defende a adoção do voto distrital misto, propõe que os eleitores respondam a três perguntas:

A) Qual o Sistema Eleitoral para as eleições legislativas que o Brasil deve ter?

Voto proporcional

Voto distrital

B) Para os que optarem pelo sistema proporcional: Qual o sistema de listas a ser adotado?

Lista aberta (sistema atual)

Lista fechada

B) Para os optarem pelo voto distrital: Qual o sistema de voto distrital a ser adotado?

Distrital puro

Distrital misto com lista fechada

Distrital misto com lista aberta

C) Qual deve ser o sistema de financiamento das campanhas eleitorais?

Financiamento público

Financiamento privado

A disputa política em torno da lista fechada está fazendo com que os projetos iniciais se transformem em verdadeiros monstros, desfigurados pelas concessões a grupos. O grupo que tenta aprovar a lista fechada, capitaneado por PT e PMDB, vai distribuindo prendas para cada grupo que pretende cooptar: retiraram a cláusula de barreiras, por exemplo, e ainda por cima criaram a "federação partidária", que pode reunir dois ou mais partidos, que devem atuar juntos por um prazo mínimo de três anos.

Até mesmo o financiamento público de campanha sofreu alterações no decorrer dessas negociações. A proposta "oficial" não estipula de quanto será esse financiamento, deixando a decisão para o Tesouro Nacional a cada eleição. Isto quer dizer que os R$7 por eleitor previstos anteriormente podem se transformar em muito mais, dependendo do apetite dos políticos e de sua força para pressionar o Tesouro.

Para tentar ganhar votos dos pequenos partidos, também o outro grupo retirou de sua emenda a cláusula de barreira, que assim está com seus dias contados. Os que são contra a lista fechada também mantiveram a possibilidade de haver financiamento privado nas campanhas, desde que o partido opte por não ter o financiamento público, que continua sendo de R$7 por eleitor.

Há uma decisão na proposta dos defensores da lista fechada que tranqüiliza os deputados e vereadores eleitos, mas que provoca uma não renovação do Congresso perigosa: os atuais parlamentares têm lugar garantido na lista, de acordo com a votação obtida na última eleição.

Esse sistema pode ser contestado na Justiça Eleitoral, que acabou com a vaga cativa que existia dentro dos partidos para os eleitos, mesmo na lista aberta utilizada hoje.

Outra crítica à reforma política "oficial" é que ela está sendo realizada pelo menor quórum, que é o da maioria simples para leis ordinárias. Leis complementares são infra-constitucionais também, mas exigem quórum qualificado de maioria absoluta. O correto seria tratar da fidelidade partidária, por exemplo, alterando a Lei de Inelegibilidades com maioria absoluta, ou a Constituição, no caso da perda de mandato, com a maioria de três quintos dos votos.

Utilizando um artifício da filiação por três anos, os deputados estão encontrando atalhos para poder fazer a reforma política com a aprovação da maioria simples do plenário, o que está gerando desagrado em boa parte dos deputados, impedindo o consenso.

O presidente do Senado é o terceiro na linha sucessória do presidente da República, e não o segundo, como escrevi no sábado. Logo depois do vice-presidente vem o presidente da Câmara, e só depois o presidente do Senado.