Título: É preciso mais vergonha na cara
Autor: Galhardo, Ricardo
Fonte: O Globo, 26/06/2007, O País, p. 5

Para especialista, a sociedade brasileira vive a "cultura do tudo pode".

Professora de criminologia da PUC-RJ, Elizabeth Sussekind diz que o Judiciário tem a sua parcela de responsabilidade na questão da impunidade no país, mas afirma que a sociedade tem sido conivente e tolerante com os crimes. Para a professora, que já foi secretária Nacional de Justiça, o problema tem um viés cultural. Ela acha que a "cultura do tudo pode" contaminou as relações sociais e as instituições. "É preciso mais vergonha na cara", afirma.

Cláudia Lamego

O Judiciário tem sido acusado de ser o maior responsável pela impunidade no país. A senhora concorda?

ELIZABETH: É verdade que o Judiciário tem sido responsável por não conseguir dar a resposta que a população esperaria. A demora na decisão de fatos graves, como os escândalos de corrupção, e situações banais, como uma herança ou aposentadoria do INSS, faz com que aumente a sensação de impunidade. A Justiça se defende, dizendo, entre outras coisas, que o problema está na lei, que permite protelação. Mas o fato é que o Judiciário não tem cumprido o seu papel. Só que essa é uma questão mais complexa.

Qual é o outro lado da questão?

ELIZABETH: A sociedade brasileira tem sido conivente com os crimes, não tem critérios, e tem permitindo a venda de todos os seus valores. Estamos na era do quem dá mais, do mais bonito, do que tem o melhor cargo, do quem é quem. Estamos no reino dos que conhecem alguém, dos espertos, dos afilhados. Essa leniência com o que está errado contamina toda a sociedade e as instituições. Ao mesmo tempo, o Estado também não consegue dar a proteção que o cidadão merece.

As pessoas não acreditam mais nas autoridades. Há um descrédito generalizado?

ELIZABETH: O Estado brasileiro, como um todo, está muito desacreditado. As pessoas trabalham cinco meses de suas vidas por ano para financiar roubalheiras do Estado. É uma grande situação de ilegalidade, e permanente. Essa é uma situação que drena a força do país, impede o seu desenvolvimento. A impunidade é do interesse de determinadas pessoas que lucram com ela. Mas o problema é que toda a população brasileira está à espera da sua vez de lucrar.

Como a sociedade pode tentar reagir?

ELIZABETH: Tem que começar em casa, com a educação. E o Estado tem que ajudar, fiscalizando e punindo as condutas erradas. É preciso mais vergonha na cara. A impunidade e a falta de censura social estão levando o Brasil a ser um país atrasado, sem moral e ética. A impunidade interrompe o desenvolvimento do país, a melhor divisão do trabalho e o acesso igualitário aos benefícios públicos.

Existe uma solução?

ELIZABETH: A solução é múltipla. O Estado tem que fazer as reformas necessárias para acabar com a impunidade, e cobrar daqueles que infringem as leis. Do ponto de vista da população, tem que haver uma mudança de cultura, a começar por pequenas coisas, como não jogar lixo na rua ou pela janela de casa.