Título: Falta a defesa do interesse nacional
Autor: Barbosa, Rubens
Fonte: O Globo, 26/06/2007, Opinião, p. 7

Não é nenhum segredo que as relações entre os militares e os civis no governo Lula vêm se deteriorando gradualmente.

É histórica a tensão entre civis e militares no Brasil. Basta recordar os movimentos de força ao longo dos últimos cem anos, em especial no período mais recente, de 1964 a 1985.

A criação do Ministério da Defesa, em junho de 1999, foi um grande avanço democrático e de gestão, mas foi recebida com reservas por parte das Forças Armadas.

Desde então, surgiram tensões esporádicas, que se acentuaram mais recentemente a partir da crise com os controladores de vôo. Enfrentamentos ideológicos, reabrindo feridas difíceis de cicatrizar e que a lei de anistia buscou superar, como o caso da promoção post mortem de Lamarca, e a quebra da hierarquia, como no caso dos suboficiais controladores de vôo, recebidos pelo ministro da Defesa, sem a presença do comandante da Aeronáutica, contribuem para o aumento das tensões e para a volta de manifestações políticas indesejáveis da alta hierarquia do Exército.

As Forças Armadas estão mal equipadas, com soldos defasados e com baixa estima pelos arranhões na disciplina interna e por medidas que contribuem para seu esvaziamento, como a anunciada decisão de desmilitarizar o controle aéreo.

O orçamento federal para as três Armas (cerca de 70% comprometido com o pagamento de pessoal e encargos) representou, em 2006, cerca de 1,7% do PIB, um dos mais baixos da América do Sul (a média mundial é 3,5%). As dificuldades financeiras para equipá-las adequadamente aumentaram nos últimos anos, dificultando a missão constitucional de defesa interna (manutenção da lei e da ordem) e externa (artigo 142). A alocação de recursos necessários para uma gradual modernização das três forças e para o reajuste dos soldos é providência inadiável.

As promessas de recursos para corrigir essa situação e permitir que as FFAA possam defender adequadamente nossas fronteiras, a Amazônia, nossas plataformas marítimas de exploração de petróleo e mesmo a Usina de Itaipu para casos de emergência não são cumpridas. Não se ouve mais falar do plano de ação das FFAA, anunciado em maio passado.

Não é possível que um país como o Brasil, que pretende ser alçado a uma condição de potência nas próximas décadas, deixe de dar um tratamento adequado às FFAA, como tem ocorrido nos últimos anos.

Impõe-se, com urgência, fortalecer as FFAA, com um ministro da Defesa civil forte para defender os interesses da instituição, sua hierarquia e princípios, e com políticas voltadas para a recuperação da capacidade operacional.

Entre as medidas que poderiam ser adotadas nessa direção, seria importante criar condições para reviver a indústria bélica que já foi significativa e hoje está quase desaparecida. Para produtos e serviços estratégicos seria necessário reduzir a dependência do exterior. No Brasil, a indústria bélica recebe muito pouco apoio. Até o avião presidencial foi comprado no exterior, ignorando-se a Embraer.

A política exterior, por outro lado, ainda não incorporou de fato o conceito de defesa externa. O discurso oficial na área externa ¿ e não só no atual governo ¿ raramente menciona nossas preocupações com a defesa de nossas fronteiras e a necessidade de definir adequadamente uma política de defesa nacional.

Duas outras questões conceituais, trabalhadas em conjunto entre civis e militares, poderiam dar mais sentido e valorizar o papel das FFAA.

Tendo repensado o papel das FFAA, pela primeira vez, a política de defesa nacional, elaborada em 1996, no governo FHC, deveria ser atualizada para responder aos novos desafios do mundo pós-11 de setembro em diversos aspectos como o terrorismo, os crimes transnacionais, o contrabando de armas e a defesa de nossas fronteiras.

A Escola Superior de Guerra poderia ser modernizada e seus cursos reorientados para as novas realidades contemporâneas. Seu foco deveria estar voltado para o conceito do interesse nacional e pensado como política pública. A idéia da defesa do interesse nacional, muito presente em alguns países, é totalmente negligenciada no Brasil.

A incompetência da classe política para lidar com essas questões tem de ser superada para completar a despolitização das FFAA, fortalecer o controle civil e definir o papel dos militares no processo decisório do Estado brasileiro.

RUBENS BARBOSA é consultor e presidente do Conselho de Comércio Exterior da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp).