Título: Meta real
Autor: Leitão, Míriam
Fonte: O Globo, 26/06/2007, Economia, p. 18

Tudo leva a crer que, no Conselho Monetário Nacional, deverá prevalecer a proposta do ministro Guido Mantega de manter a meta de inflação de 2009 em 4,5%. Os que a defendem argumentam que, se for reduzida, diminuirá um pouco mais o espaço para a queda dos juros. Mantê-la, quando há dois anos o país está com inflação anual de 3%, mostra que nos conformamos com uma taxa de 4,5%.

Por um lado, o Banco Central tem atuado como se a meta fosse menor do que ela é, então fica parecendo que essa discussão é ociosa. Ao mirar o centro da meta, o BC está, na prática, produzindo um resultado na parte inferior da banda. Isso tira um pouco a importância da discussão. Mas o problema é que 4,5% é uma taxa alta para um país que pode ter pretensões de ter uma inflação igual à dos países de economia madura. Nos Estados Unidos ou em qualquer país europeu, esse não é um número aceitável. Não deveria ser para nós também.

Por trás da idéia de que isso reduzirá o espaço para a queda dos juros, repousa uma velha e inaceitável crença: a de que um pouquinho mais de inflação garantirá um pouquinho mais de crescimento. O Banco Central manteve as taxas de juros altas demais nos últimos tempos e há vários especialistas, de linhas diferentes, defendendo a tese de que os juros estão acima do que deveriam estar. Ter essa avaliação da conjuntura é diferente de querer "um pouquinho mais de inflação para garantir um pouco mais de crescimento".

O país está se beneficiando dos acertos dos últimos 13 anos em matéria de política antiinflação, mas nunca é demais lembrar velhas lições: primeiro, tivemos uma das piores histórias do mundo em termos de alta inflação crônica; segundo, foi por considerar, equivocadamente, que a inflação é impulso - e não freio - ao crescimento que entramos no desvio em que perdemos tanto tempo; terceiro, o BC sozinho não garante a estabilidade.

Os indicadores econômicos são altamente favoráveis hoje, permitindo ao Banco Central a continuação da queda dos juros sem ameaçar a meta de inflação. Se ela for mais baixa para 2009, haverá mais sinalização ao mercado, aos formadores de preços, que é nesta direção que se caminha e que o processo, ainda que vitorioso, não está completo.

Há dúvidas sérias sobre a política econômica. Uma delas é a fiscal. Ainda que as preocupações em relação a isso não estejam muito presentes nas comunicações do Banco Central - através das atas do Copom e dos relatórios de inflação - o fato é que a questão fiscal tem o poder de minar qualquer projeto de crescimento de longo prazo. Não é um ponto a mais nos juros que impedirá o país de crescer, mas a escalada de gastos públicos mostra uma trajetória insustentável com o crescimento. Isso porque estrangula o setor privado, e impede o setor público de investir.

A outra dúvida séria é quanto à escolha de instrumentos ultrapassados. Em vez de regulação transparente através de agências independentes, ocupação política das agências; em vez de investimentos nos fatores gerais de competitividade, ressarcimento de setores afetados pelo câmbio e escolha de setores protegidos; em vez de política comercial mais agressiva, com redução de mais barreiras ao comércio, uma diplomacia e política alfandegária protecionistas. Isso também sinaliza aumento dos gastos públicos e redução da competitividade da economia.

Portanto, os condutores da política econômica estão olhando o lado errado quando sugerem que, se a meta de inflação for reduzida em 0,5 ponto percentual para 2009, o Banco Central terá que reduzir menos a taxa de juros e o país crescerá menos. O país crescerá menos por causa das escolhas sem rumo feitas pela política econômica.

Por outro lado, o BC também mostra visão curta quando comemora todos os bons indicadores conseguidos até agora e acha que isso encerra a equação à qual deveria estar atento. A política fiscal expansionista é mais ameaçadora para a inflação que pequenas elevações ocasionais que ocorram por fatos passageiros, como uma alta dos preços dos alimentos por um fenômeno climático. Se o tempo mudar, os preços voltarão a cair, mas as pressões inflacionárias futuras decorrentes de gastos excessivos são mais perigosas e de risco mais duradouro.

Essa é a natureza da discussão que deveria haver dentro do Conselho Monetário Nacional - ou dentro do governo de uma forma geral - e não este medíocre debate que põe o Banco Central como vilão por 0,5 ponto a mais ou a menos de taxas de juros. O sucesso na arrecadação está mascarando o aumento de gastos por produzir superávits primários altos. O que deveria ser olhado é a trajetória dos gastos correntes, dos gastos primários, da carga tributária. O que deveria ser visto são alguns detalhes que mostram o desperdício do dinheiro público, como criar um novo ministério que tem 83 DAS e não tem local para funcionar, nem missão definida. Os sinais que o governo tem dado têm sido de que tudo está dominado na política econômica, e que o único problema que permanece é a ortodoxia do Banco Central, o que se resolve mantendo a meta da inflação mais alta. Há várias reformas esperando para se pavimentar o caminho para o crescimento sustentado. Esta deveria ser a meta a ser perseguida pelas autoridades econômicas e monetárias do Brasil.