Título: A choldra paga a conta e ganha meio voto
Autor: Garpari, Elio
Fonte: O Globo, 27/06/2007, Opinião, p. 7

Sob a máscara de ¿reforma política¿, será posto em votação na Câmara dos Deputados o maior esbulho eleitoral já praticado desde o Pacote de Abril de 1977, que entregou um terço do Senado a uma raça de sem-votos, denominados biônicos. Agora se pretende entregar metade da Câmara e das Assembléias ao comissariado das tendências e direções partidárias.

Hoje, o contribuinte escolhe seus candidatos para representá-lo nas câmaras legislativas. O projeto petista, que tem o apoio dos Democratas e do PMDB, mutila esse direito e institui um novo tipo de voto. Chamam-no de ¿lista flexível¿.

No sistema vigente, a preferência do eleitor vai para um panelão onde estão todos os outros candidatos do mesmo partido. Aplicado um quociente que relaciona o total de votos dados à sigla, elegem-se os que tiveram melhor desempenho. Disso resulta que, em muitos casos, vota-se em Delfim Netto e elege-se Michel Temer. A esse sistema defeituoso pretende-se aplicar um remédio que transfere aos comissários o direito de decidir a composição de metade das bancadas do legislativo.

O cidadão será obrigado a escolher primeiro o partido de sua preferência. Se for petista, digitará o número 13. Caso queira escolher um candidato (para compor metade da bancada), deverá proceder a uma segunda digitação, explicitando o número do seu preferido, por hipótese, 1313. Como todos os candidatos petistas têm os mesmos dígitos iniciais (13), o que se pretende é dificultar o voto nominal.

Como se a choldra tivesse o direito de escolher o partido mas, caso quisesse um nome, teria que coçar o nariz quatro vezes.

A segunda metade das câmaras legislativas sairia de uma lista fechada.

Os defensores do pacote sustentam que esse tipo de voto fortalece os partidos, dando-lhes mais músculos. Falso.

O artigo 6º da proposta fortalece apenas os atuais deputados, presenteando-os com o direito de encabeçar a lista. Num exemplo, da chapa petista de São Paulo, os deputados João Paulo Cunha, mensaleiro absolvido pelos pares, e Arlindo Chinaglia, presidente da sessão que pretende votar a ¿reforma¿, estariam automaticamente reeleitos, sem sair de casa. Na atribulada história do Parlamento brasileiro, jamais houve caso tão escancarado de prorrogação de mandatos.

Admita-se que o cidadão é um petista de carteirinha e tem fé nos comissários. Ele acha isso natural porque pretende fortalecer a estrela vermelha. Aí entra o aspecto cínico da ¿reforma¿. Ela cria ¿federações de partidos¿. Nesse caso, o petista vota no 13, mas poderá eleger um candidato do PC do B, caso ele se tenha coligado com o PT.

Mesmo assim, pode-se sustentar que a nação petista decidiu formar uma federação com o PC do B, e isso faz bem à democracia. Falso. O projeto admite que os partidos façam um varejo de coligações, em todos os níveis. Nada impede que o PT, ou o PMDB, faça uma sociedade com o PC do B em São Paulo, enquanto em Alagoas ele se alia ao PTB de Fernando Collor.

Seria o caso de se propor uma emenda ao projeto. A patuléia passa a pagar só os salários dos parlamentares em quem pode votar (a metade).

Os demais iriam buscar o seu com os comissários.

ELIO GASPARI é jornalista.