Título: Classificação indicativa, uma polêmica em debate
Autor:
Fonte: O Globo, 27/06/2007, O País, p. 13

Proposta é considerada censura e inconstitucional por uns, e ato democrático por outros.

SÃO PAULO. A portaria 264 do Ministério da Justiça, que define regras para a classificação indicativa de programas de TV, é um ato de censura e, por isso, inaceitável e inconstitucional, segundo opositores da medida que participaram do "Roda Viva", da TV Cultura de São Paulo, anteontem à noite. Já para defensores da classificação, a medida é democrática e informa os pais sobre os programas que seus filhos devem assistir.

Um dos participantes do programa, Antonio Cláudio Ferreira Neto, advogado da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), disse que a classificação indicativa faz ressurgir o medo da censura:

- Ela (a censura) não se apresenta nunca como instrumento de opressão. Vem sempre de mansinho, em defesa da família, dos bons costumes, da sociedade, mas, quando ela se instala, se instala como instrumento de opressão. E é contra esse instrumento de opressão que a Constituição consagrou a liberdade de expressão.

Ministro da Justiça no governo Fernando Henrique, José Gregori disse que, em sua gestão no ministério, por um ano e meio esperou em vão a proposta das TVs. Ele defendeu a proposta do atual governo e afirmou que não é possível "cruzar os braços" diante da violência.

- O que o Estado tem de fazer, e acho que está fazendo, é dar um elemento de auxílio para os pais, os que devem decidir e, inclusive, controlar. O papel de chamar as TVs para esse tipo de responsabilidade, de que os temas devem ter uma distribuição no horário tendo em vista o público, acho que é uma coisa democrática - disse Gregori.

Walter Ceneviva, da Associação Brasileira de Radiodifusores (Abra), explicou por que é contra a classificação indicativa:

- Porque a proposta é de que o ministro da Justiça escolha o horário dos programas. Isso é rigorosamente inconstitucional e inaceitável. É preciso que o Ministério da Justiça cumpra a sua missão, que está na Constituição, e indique e recomende para os pais, mas não que imponha ou proíba.

Já o diretor do Departamento de Justiça, Classificação e Qualificação (Dejus) do Ministério da Justiça, José Eduardo Romão, disse que o debate sobre o tema garantirá uma classificação "efetivamente democrática".

- O canal de diálogo aberto no Ministério da Justiça é o reconhecimento histórico do esforço da sociedade para produzir qualidade na programação da televisão brasileira. É isso que dá garantias seguras de que a classificação nunca será censura - disse Romão.

O cientista político Guilherme Canela, coordenador de Relações Acadêmicas e Pesquisas da Agência de Notícias dos Direitos da Infância (Andi), disse que a classificação protege os direitos de crianças e adolescentes.

Mas o geógrafo Demétrio Magnoli, outro participante, disse ser inadmissível que um dirigente do Estado decida em que horário uma TV deve exibir um programa. Ele lembrou de discursos em que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou que se vê como o grande pai, que trata o povo, "principalmente os mais pobres, como seus filhos".

- Essa visão da sociedade como uma grande família e do presidente como pai é que está no fundo da idéia de que o Estado deve dizer o que pode ou o que não pode passar em um certo horário. É a idéia de que a sociedade se organiza por uma hierarquia familiar e que existe um pai, que vai dizer o que é bom e o que é ruim para o povo. É uma visão que desconfia profundamente da capacidade da sociedade de tratar do espírito. É a visão de um Estado que insiste em não tratar das coisas, da segurança das crianças e dos adolescentes, que insiste em tratar de não difundir os bens culturais, as coisas, mas que quer fazer cultura, quer ensinar as pessoas como elas devem pensar - protestou Magnoli.