Título: Além das pesquisas
Autor: Pereira, Merval
Fonte: O Globo, 28/06/2007, O País, p. 4

As pesquisas de opinião divulgadas nos últimos dias, cruzadas com o exame do resultado das últimas eleições, não deixam dúvidas sobre a supremacia absoluta do presidente Lula no cenário eleitoral, especialmente se levarmos em conta que os partidos estão despedaçados e que o Congresso passa por um de seus momentos de maior desprestígio diante da opinião pública. Como disse o senador Jarbas Vasconcelos em seu pronunciamento ontem no plenário, o Senado não poderia estar mais enlameado do que no atual momento. O ex-governador de Pernambuco é um dissidente do PMDB que atua com independência no Senado, a tal ponto que sugeriu publicamente o afastamento do senador Renan Calheiros da presidência do Senado e ontem disse que sua presença presidindo os trabalhos da Casa constrangia os senadores, que debatiam a renúncia do petista Sibá Machado da presidência do Conselho de Ética.

Jarbas Vasconcelos foi o único que estranhou o gesto, educadamente chamando Sibá de "ingênuo", enquanto todos os demais senadores elogiavam o petista, como se ele tivesse tomado uma atitude heróica, e não fizesse parte de uma farsa para contestar os procedimentos do Conselho e postergar a decisão sobre o futuro de Calheiros. Se alguma dúvida havia de que a renúncia do petista fazia parte de uma nova estratégia de defesa de Renan, bastou ouvir os apartes elogiosos dos petistas, com críticas à partidarização dos procedimentos do Conselho, depois que o presidente do Senado esteve de manhã com Lula cobrando o apoio do PT e alegando que a disputa no Conselho virara um duelo entre oposição e governo, para se ter certeza do que está em curso.

Tanto não há disputa entre oposição e governo que o fato mais estranhável de ontem foi a candidatura do senador Arthur Virgílio, líder do PSDB, à presidência do Conselho, depois que os jornais flagraram um bilhetinho que Renan lhe passou pedindo ajuda contra "o esquadrão da morte moral" e a "imprensa opressiva". O presidente do Senado não teve nem o recato de aparentar distância da manobra, e classificou Virgílio de "um amigo". Diante de uma oposição que não encontra seu eixo contra um presidente popularíssimo, e de um Poder Legislativo desmoralizado e sem coesão mínima para realizar uma reforma política digna do nome, resta no cenário político, soberano e inatingível, o presidente Lula.

Com perto de 80% de aprovação no Nordeste e 70% em Norte e Centro-Oeste, Lula caminha para uma posição de unanimidade, na definição do sociólogo Antonio Lavareda. A pesquisa realizada pelo cientista político Nelson Carvalho, que comentei na coluna de domingo, já mostrava que a reeleição de Lula foi fruto de uma crescente fragmentação do eleitorado, com os eleitores cada vez mais independentes dos partidos, que não se mostram capazes de canalizar a vontade do eleitor. Nesse contexto, Carvalho vê um papel de teórico da "plebeização da política" para o filósofo Mangabeira Unger, nomeado ministro para planejamento de longo prazo. Unger anda descobrindo "uma nova classe média emergente" que seria, segundo ele, "decisiva para qualquer orientação transformadora do Brasil".

Essa gente, que dá a Lula essa espetacular popularidade, está, segundo Mangabeira Unger, construindo no país "uma nova cultura de auto-ajuda e de iniciativa". O movimento evangélico, de onde vem seu partido, o PR, é "um elemento entre muitos dessa nova base social. São dezenas de milhões de brasileiros organizados".

Já o professor de História Contemporânea da UFRJ, Francisco Carlos Teixeira, considera "estarrecedor" que as elites não tirem das pesquisas "as conclusões mais óbvias". A mais clara, diz, é "o cansaço e a brutal rejeição do povo em face da corrupção, mazela maior que a violência, no seu entender". No entanto, a corrupção não é ligada à imagem do presidente, que, como mostra pesquisa do PSDB, é visto como o grande combatente contra ela, através da PF.

"Ora, basta olhar à volta, esticar o pescoço um pouco além da fronteira imediata e ver o que se passa em países vizinhos, como Bolívia, Argentina, Equador ou Venezuela", lembra. "Nesses países, após ensaios e experiências de democracia liberal - submergidas em corrupção e arrogância -, o novo "demos" ampliado, trazendo todos os excluídos de sempre - agora sob a denominação de "piqueteros", "foragidos", "cocaleros", "índios", e tantos mais -, invadiram congressos, fecharam partidos, varreram - e nas urnas - velhas máquinas de dominação descoladas dos mais elementares vínculos com a massa do "demos"".

Teixeira pergunta: "Será que os mesmos senadores que criticaram o último arroubo de Chávez não entendem que ele é a opção dos sem opções? A elite brasileira - e aqui não são só os políticos, posto que não há corrupção sem corruptores - não percebe que brinca no limite de sua própria capacidade de manter-se como um grupo dirigente do país?".

Pesquisas do PSDB indicam que hoje Lula seria eleito para um terceiro mandato. Claro que é muito cedo para um juízo definitivo, mas, do jeito que a oposição se comporta, e diante da popularidade de Lula, não será surpresa se a tese do terceiro mandato voltar a povoar os planos governistas.

O professor da UFRJ acha que essa construção de um novo consenso na sociedade "em torno de um homem - para além dos partidos e das instituições republicanas -, incluindo aí a disponibilidade amorosa do povo em conceder-lhe até um terceiro mandato, é o sinal mais evidente que de forma muito acelerada a elite dirigente e as instituições republicanas perderam a representatividade nacional. E estamos a um passo de perder a legitimidade".