Título: Lei sobre compra de votos acaba sendo inócua
Autor: Gripp, Alan
Fonte: O Globo, 28/06/2007, O País, p. 10

Como a pena é de três anos, e os processos se arrastam na Justiça Eleitoral, denúncias quase sempre ficam sem punição.

BRASÍLIA. A impunidade de políticos acusados de abuso de poder no Brasil está prevista em lei. Criada para impedir que volte a se candidatar quem, por exemplo, for flagrado comprando votos, a chamada Lei das Inelegibilidades revelou-se, nos últimos anos, inócua. A legislação prevê pena máxima de três anos, contada a partir da data do fato investigado. A pena só pode ser aplicada quando o processo transitar em julgado, ou seja, não restar mais possibilidade de recurso. Resultado: num país em que processos se arrastam anos a fio, mesmo quando há condenação, a pena não pode ser mais aplicada.

Um dos casos de suspeita de compra de votos de maior repercussão explica bem a ineficiência da lei. O processo que pode cassar os direitos políticos dos ex-governadores Anthony Garotinho e Rosinha Garotinho ainda está longe de terminar, mas o seu fim já é conhecido. Mesmo que sejam condenados pelas acusações de uso da máquina administrativa, abuso de poder econômico e compra de votos nas eleições municipais de 2004, o casal não sofrerá qualquer punição. Em 2006, como não havia condenação final, eles estavam livres para se candidatar. Ano que vem, nas eleições municipais, a pena - se houver - já estará vencida.

Prazo para punição foi definido pelo Congresso

Garotinho e Rosinha serão apenas os próximos beneficiados por uma lei cujo prazo exíguo para punição, não por acaso, foi definido pelos réus em potencial - deputados e senadores, que a aprovaram em 1990. Dessa lista, fazem parte dezenas de outras autoridades, entre elas os ex-governadores Ronaldo Lessa (PDT-AL) e Francisco de Assis de Moraes Souza, o Mão Santa (PMDB-PI). Para especialistas em direito eleitoral, a lista só tende a crescer.

- O direito eleitoral é o único no qual as regras são editadas pelos próprios destinatários. Ou seja, não é para acontecer muita coisa mesmo. Bandido não faz direito penal, faz? - diz o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Torquato Jardim.

Jardim conta que, há alguns anos, o TSE tentou, em vão, mudar a interpretação da chamada Lei das Inelegibilidades. O objetivo era começar a contar o prazo de três anos de punição após o processo transitar em julgado, ou seja, quando não houver mais possibilidade de recursos. Mas a iniciativa foi barrada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que fez uma interpretação literal da lei. Com isso, as chances de mudar as regras do jogo estão limitadas à alteração da lei. Em outras palavras, o Congresso tem a faca e o queijo nas mãos.

- Existe uma frase conhecida sobre esse tema: o Congresso é uma assembléia de vencedores. Qual é a conseqüência disso? Eles não vão mudar a regra para perder o jogo. O tribunal está amarrado pela lei, que só é eficaz com bagrinhos (prefeitos e vereadores do interior, principalmente) - diz Jardim.