Título: À espera de desculpas
Autor: Oliveira, Eliane e Seleme, Ascânio
Fonte: O Globo, 28/06/2007, Economia, p. 23

Chanceler sugere que Chávez se retrate ao Congresso brasileiro para entrar no Mercosul.

BRASÍLIA. Um mês após o atrito entre o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, e o Senado brasileiro - que criticou a cassação da licença da emissora de TV mais popular daquele país e foi chamado por Chávez de papagaio dos EUA - o episódio continua mal-resolvido, diz o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim. O chanceler, que participa hoje da abertura da cúpula de presidentes do Mercosul em Assunção, no Paraguai, sugere algum tipo de retratação de Chávez ao Parlamento brasileiro, para o Congresso ter boa vontade ao votar o ingresso dos venezuelanos como membros plenos do bloco. Em entrevista exclusiva ao GLOBO, Amorim diz que o Brasil investirá no fim das assimetrias econômicas que afetam Paraguai e Uruguai. Ele afirma que a ausência de Chávez no evento enfraquecerá o país nas discussões do Mercosul: "As nações são soberanas e emitem os sinais políticos que querem dar". Ele também descarta a retomada da Alca, como alternativa ao fracasso da Rodada de Doha da OMC.

Eliane Oliveira, Ascânio Seleme e Sergio Fadul

Alguma novidade nesta reunião de cúpula do Mercosul?

CELSO AMORIM: O problema é que o Mercosul se reúne a cada seis meses. Então, temos que ter sempre uma notícia espetacular a cada seis meses e não é fácil. Estamos avançando nas assimetrias, menos do que eu gostaria, para facilitar um pouco a vida do Uruguai e do Paraguai. E há avanço no comércio de moedas locais entre Brasil e Argentina.

E quanto à ausência do presidente da Venezuela, Hugo Chávez?

AMORIM: Eu e o presidente Lula preferiríamos que o presidente Chávez estivesse em Assunção. Mas as nações são soberanas e dão os sinais políticos que querem dar. Claro que a ausência do líder tira um pouco do peso que o país tem numa reunião.

Na semana passada, Chávez disse que estava cansado do que chamou de "velho Mercosul".

AMORIM: Ele nem chegou a entrar, como pode estar cansado? Chávez tem liberdade de emitir as opiniões que quiser, mas achamos que o Mercosul não pode ser chamado de velho, pois só tem 16 anos. É um adolescente e, na história das nações, é um bebê que está evoluindo.

Mas não é difícil ter um parceiro como a Venezuela, que provoca tantos ruídos?

AMORIM: Nossa relação bilateral é muito boa. Agora, as concepções de como deve ser a integração nem sempre são as mesmas. Temos de conviver com essas divergências. Isso ocorre na União Européia (UE). Precisamos nos acostumar a isso sem fazer drama.

O episódio da cassação da licença da RCTV, quando Chávez chamou os parlamentares brasileiros de papagaios dos EUA, foi superado? Como a diplomacia brasileira poderia convencer os parlamentares a aprovarem o ingresso da Venezuela no Mercosul?

AMORIM: É preciso um gesto de boa vontade. Ninguém quer uma auto-flagelação da Venezuela, é necessário um gesto positivo em relação ao Congresso brasileiro. Afinal, somos um país democrático e os senadores foram eleitos democraticamente, da mesma maneira que respeitamos e defendemos Chávez, eleito pelo voto popular. Não precisamos coincidir em tudo, mas seria interessante uma aproximação.

Uma visita de Chávez ao Congresso brasileiro, por exemplo?

AMORIM: Não sou eu quem vai dizer a maneira como isso seria feito. Desde que soltamos uma nota rigorosa em resposta à declaração de Chávez, ele nos disse várias vezes que tem muito apreço por Lula. Mas não houve manifestação direta sobre o Congresso brasileiro, e o protocolo de adesão tem que passar por lá.

Tecnicamente, como está o processo de adesão da Venezuela ao Mercosul?

AMORIM: Há um outro aspecto: a distribuição dos cronogramas de liberalização econômica e adequação à Tarifa Externa Comum (TEC). Está pior do que desejaríamos. Não estamos conseguindo nos reunir. O cronograma em relação a Paraguai e a Uruguai já foi acertado, mas o global, que envolve Brasil e Argentina, ainda não está fechado.

O comércio na região não aumentaria na mesma proporção sem o Mercosul?

AMORIM: Esse é um segredo que a história é incapaz de decifrar. Minha opinião é que não, porque o comércio cresceu imensamente logo nos primeiros anos de Mercosul.

Que mensagem Lula passará aos presidentes do bloco na cúpula?

AMORIM: Ele deve falar sobre as assimetrias e a disposição do país de continuar trabalhando na integração.

A divisão entre Brasil e Índia, de um lado, e EUA e UE, de outro, na Rodada de Doha, pode se configurar num conflito Norte-Sul?

AMORIM: Eles (EUA e UE) não gostam de ouvir isso, mas é a realidade. Americanos e europeus acertaram um nível de conforto mútuo: não o pressiono demais nisso, você não me pressiona demais naquilo e nós nos juntamos para pressionar Brasil nisso aqui e a Índia naquilo ali. Não funcionou.

Brasil e Índia abandonaram a reunião do G-4?

AMORIM: Não, Brasil e Índia não se retiraram. Brasil e Índia não quiseram participar de uma coisa que caminhava para ser uma certa farsa.

A retomada das negociações da Alca seria uma alternativa?

AMORIM: É colocar as energias no lugar errado. É preferível um acordo entre Mercosul e EUA, Mercosul-Nafta ou Mercosul-Canadá, porque já temos acordos com todos os sul-americanos e por causa do contexto negociador da Alca, que é pouco favorável ao Brasil.

Ausência de parceiro alivia Lula

ASSUNÇÃO. O Brasil tem mais a ganhar do que a perder com a ausência do presidente venezuelano, Hugo Chávez, na reunião de chefes de Estado do Mercosul. Nos bastidores, afirmam fontes ligadas ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, há uma sensação de alívio no governo brasileiro, que espera que o bloco se volte para questões internas nesta cúpula, como as dificuldades enfrentadas por Paraguai e Uruguai para se adequarem à integração física e comercial na região.

Além de Chávez, deverão faltar ao encontro os presidentes da Colômbia, Alvaro Uribe, e do Peru, Alan Garcia, dois desafetos do líder venezuelano. Havia rumores ainda de que o líder boliviano, Evo Morales, também não estaria presente. Fontes do governo da Bolívia afirmaram ontem, no entanto, que Morales planeja ir à Suíça hoje - para tentar convencer a Federação Internacional de Futebol (Fifa) a permitir novamente a realização de partidas em seu país -, mas só deve chegar a tempo para a reunião de amanhã.

- Sem Chávez, as conversas ficam menos politizadas, com discursos menos extravagantes - disse o presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), embaixador José Botafogo Gonçalves.

A verdade é que o governo brasileiro está sendo pressionado por parte do setor produtivo. Empresários se preocupam com uma possível resistência dos Estados Unidos e da União Européia a negociar acordos de livre comércio com o Mercosul, devido à presença de Chávez no bloco. Também há rejeição no Congresso brasileiro, irritado por ter sido chamado de "papagaio dos EUA" pelo venezuelano.

Uma medida dada como certa consiste na flexibilização das regras de origem para produtos uruguaios e paraguaios de modo a estimular as exportações desses países. Hoje, ambos são obrigados seguir índices de nacionalização de 40% e 50%, respectivamente, percentuais que correspondem à parcela do produto composta exclusivamente por insumos nacionais. A idéia é reduzir ainda mais esses índices. (Eliane Oliveira, enviada especial)

Temos de conviver com essas divergências. Isso ocorre na UE.

CELSO AMORIM

Ministro das Relações Exteriores