Título: Insensatez e meia
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 28/06/2007, O Globo, p. 2

Numa explícita declaração de solidariedade ao presidente do Senado, Renan Calheiros, o presidente Lula reclamou ontem, ao reempossar o procurador-geral, Antonio Fernando, desse impulso em voga para condenar pessoas antes de provada a culpa, que considerou nocivo à democracia. Mas igualmente nocivo é todo esforço de inocentação sumária, com dispensa do devido processo, da cabal refutação da acusação. Para homens públicos, não vale como encosto o preceito jurídico de que o ônus da prova é do acusador.

Muito menos a lamúria decrépita e a jura fácil, como fez Joaquim Roriz em seu discurso de ontem. No caso de Renan, tendo tido o Senado a chance de se mostrar maior do que o Conselho de Ética, resgatando-lhe a credibilidade, e de mostrar que deseja conduzir direito o processo contra seu presidente, levando em conta seu direito à presunção da inocência mas também o dever da transparência, preferiu seguir na mesma toada.

Primeiro, a base pró-Renan rejeitou insensatamente o acordo com o PSDB que levaria o senador tucano Arthur Virgílio à presidência do Conselho. Elegeu Leomar Quintanilha, outro aliado de Renan, que ao escolher o senador Renato Casagrande como relator, criou a expectativa de que as coisas tomariam bom curso. Casagrande é respeitado, foi contra a aprovação sumária do parecer do relator Cafeteira, pedindo mais investigação. Mas durou pouco. Foi desconvidado ontem, diz-se que por ter imposto condições para traballhar.

Nesta altura, Renan e seus aliados já deviam ter-se rendido ao inelutável. O fato de ser presidente da Casa não o dispensa de se sujeitar ao desconforto da investigação, na qual está sua verdadeira oportunidade de provar sua inocência. Disposição para enfrentar o contraditório é a que vem tendo o ex-presidente da Infraero, deputado Carlos Wilson. Ante as suspeitas de irregularidades em sua gestão, tentou assinar o requerimento da CPI do Apagão. Era tarde, mas uma vez instalada, discursou, colocando-se à disposição dela para todo esclarecimento. Depôs ontem, surpreendendo pela disposição de responder a todas as perguntas, clara e objetivamente.

Contra Renan, não há prova de que tenha tido despesas pessoais pagas por uma empreiteira No afã de provar seus ganhos em pecuária para derrubar a acusação, enrolou-se em imprecisões contábeis e documentos imperfeitos que sugerem irregularidades fiscais. Hoje, o plenário não o cassaria pela primeira acusação, e, certamente, o absolveria pela segunda, se convencido de que não houve tentativa de enganar os pares. Mas o que seu esquadrão de defesa tem feito é consolidar a idéia de que tenta obstruir a investigação. E com isso, vem piorando a situação de todos.

Quanto à relação entre Lula e Renan, há no Planalto o entendimento de que a oposição tudo faz para "jogar Renan no colo de Lula", buscando amarrá-los numa crise única. A decisão seria manter a solidariedade política e não pegar em armas. Mas os movimentos de ontem indicam disposição maior. Depois das declarações de Lula, a ministra Dilma também reivindicou para Renan a presunção da inocência. Para ajudá-lo, é preciso mais. É preciso chamar a base Renan--governo à sensatez.