Título: Cotas em xeque nos EUA
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 29/06/2007, O Mundo, p. 33

Decisão da Suprema Corte abre caminho para que sistema de ação afirmativa seja derrubado.

Por meio de uma decisão apertada - cinco votos contra quatro - a Suprema Corte dos Estados Unidos praticamente derrubou ontem o princípio de ação afirmativa, estabelecida após o fim da segregação racial e que garantia até aqui às minorias étnicas um lugar nas escolas públicas, através do estabelecimento de uma cota. Ao julgar ações impetradas contra dois distritos escolares - um em Seattle, no estado de Washington, e outro em Louisville, Kentucky - a maioria conservadora do tribunal determinou que a raça não pode ser um fator quando se distribuem alunos no sistema de escolas públicas.

Embora eles tenham deixado claro que tal decisão valeria apenas para os cursos de Ensino Fundamental e Médio, surgiu de imediato uma polêmica devido ao fato de esse parecer firmar-se como jurisprudência, e dar margem a ações judiciais que venham a provocar o fim do sistema de cotas inclusive nos cursos universitários.

- Essa decisão de hoje faz andar para trás o relógio que marcava a igualdade em nossas escolas - reagiu o senador Edward Kennedy.

O reverendo Jesse Jackson, que participou com Martin Luther King do movimento que pôs fim à segregação racial, também lamentou a decisão dos juízes, chegando a inventar um verbo para definir a situação:

- Está estabelecida a premissa para a "ressegregação" dos Estados Unidos e a negação da oportunidade. Herança e acesso não serão contrabalançados pela proteção igualitária.

Pouco mais de meio século depois de a própria Suprema Corte tornar ilegal a segregação racial nas escolas públicas, os juízes protagonizaram um debate controvertido ao considerar qual papel a raça deve ter quando uma escola precisa decidir a quem dar uma vaga. E, de acordo com as primeiras reações, a sua decisão colocará o assunto de volta na ordem do dia - inflamando inclusive a campanha eleitoral dos pré-candidatos à Casa Branca.

Confrontado com a percepção generalizada de que a decisão da Suprema Corte poderia ser interpretada como o embargo do uso da raça, em qualquer circunstância, o seu presidente, juiz John G. Roberts Jr., que votara a favor, rebateu:

- Eu discordo desse raciocínio.

Ao explicar a posição da maioria, no documento final, Roberts redigiu um parágrafo enigmático: "O princípio de que o equilíbrio racial não é permitido é de substância, e não semântica. A maneira de parar a discriminação com base na raça é parar de discriminar com base na raça".

Juiz progressista diz que país lamentará

Os quatro juízes considerados progressistas e que votaram contra apresentaram suas justificativas usando o dobro do espaço (160 páginas) utilizado pelos seus cinco colegas. Stephen G. Breyer, um dos progressistas, resumiu em tom de alerta:

- Essa é uma decisão que a Suprema Corte e a nação irão lamentar.

O caso de Louisville dizia respeito a Crystal Meredith, mãe solteira que impetrou uma ação judicial depois que o sistema escolar rejeitou o seu pedido para transferir Joshua, seu filho de 5 anos, para uma escola mais próxima de sua casa, argumentando que ali não havia vaga para ele. Em Seattle, Kathleen Brose, mãe de um estudante secundário, tomou iniciativa idêntica, pelo mesmo motivo.

As duas mães alegavam que seus filhos - ambos brancos - não obtinham lugar por causa da cota racial que, a seu ver, privilegiava as minorias negra, hispânica e asiática. As duas foram explicitamente apoiadas pelo governo Bush, através de declarações de altos funcionários.

Em Louisville, desde o fim dos anos 90, as escolas promovem a integração através da reserva de pelo menos 15% - e não mais que 50% - para alunos negros. Isso foi estabelecido com base no fato de que a população da área é formada por 60% de brancos e 38% de negros.

Em Seattle, as escolas utilizam desde 1998 o sistema de desempate. As famílias podem enviar os filhos para qualquer escola, e quando há mais interessados do que vagas e a escola não é considerada "racialmente equilibrada", a raça passa a ser o "fator de desempate" para se alcançar a diversidade.

Metade dos estudantes da escola no centro da controvérsia em Seattle é asiática, um terço é de negros e 7% são hispânicos. As matrículas de brancos caíram de 23% para 10% no ano passado.