Título: Processo viciado
Autor: Cruvinel, Tereza
Fonte: O Globo, 30/06/2007, O Globo, p. 2

Numa destas últimas e tumultuadas sessões do Conselho de Ética do Senado, o senador tucano Sérgio Guerra (PE) fez veemente admoestação a seus pares, apontando as irregularidades funcionais de um órgão que não tem sequer regimento e colocando em dúvida a legalidade dos procedimentos já adotados no caso Renan Calheiros. Agora, depois de tantas estripulias desgastantes, o novo presidente, Leomar Quintanilha, decidiu consultar a área jurídica. Quando os senadores conseguem errar tanto ao ponto de viciar um processo, fica-se sem saber o que é maior, o despreparo ou a dissimulação.

Raimundo Carrero, agora ministro do TCU, foi por 13 anos secretário-geral da Mesa do Senado. A experiência o transformou num dos maiores conhecedores do regimento interno da Casa. Em conversas com amigos e senadores, ele tem avisado que o processo em curso é mesmo puro vício. Jamais poderia ter tido início a partir do envio da representação do PSOL ao Conselho pelo próprio acusado e presidente do Senado, Renan Calheiros. A Mesa deveria ter apreciado a representação para julgar sua admissibilidade. Em caso positivo é que ela seria enviada ao Conselho de Ética. O erro foi de Renan, que, tão logo recebeu a presentação, tratou de despachá-la temendo ser acusado de estar segurando o processo. Errou também o senador Sibá Machado, ao dizer que ele já respondia a processo de cassação.

Outro erro crasso, apontado por Carrero e também pelo ministro Marco Aurélio de Mello, do STF, foi o pedido de perícia nos documentos de Renan à Polícia Federal. Como Polícia Judiciária, a PF sabe que só pode atender a solicitações dessa natureza quando há inquérito aberto. E, tratando-se de um senador, que tem foro privilegiado, se o pedido partir do STF. Sibá e seus colegas do Conselho podem ter feito o pedido por ignorância. A PF pode ter aceitado por uma espécie de "pulsão investigativa". Querendo ou não, ambos ajudaram a embolar o processo, atrasando qualquer decisão.

Em seu pedido de informações à Consultoria Jurídica do Senado, Quintanilha pergunta sobre os limites da atuação do órgão e a legalidade do processo conduzido até agora. É natural que haja dúvidas, porque até hoje o Conselho, com uma exceção, a de Luiz Estevão, só fez arquivar processos. Mas, sendo a Consultoria Jurídica um órgão administrativo, e como tal subordinado a Renan, Quintanilha teria feito melhor consultando a Comissão de Constituição e Justiça, instância legislativa e pluripartidária.

Se todos os procedimentos, por vício, tiverem que ser anulados, o Senado pode recomeçar tentando fazer tudo direito. Mas se tudo resultar numa tentativa de "apagar" a denúncia, o PSDB e o DEM pedirão ao STF que garanta aos senadores o direito de julgar seus pares, ora em vigor.