Título: Bateau e Chatô: casos que nunca terminam
Autor: Otavio, Chico
Fonte: O Globo, 30/06/2007, O País, p. 10

Processos se arrastam há anos, emperrados por diversos recursos, sem que a Justiça dê uma sentença final.

O advogado Leonardo Amarante, de 44 anos, já noivou, se casou, teve filhos, se separou, e começa a desconfiar que se aposentará sem ver concluídos os processos que iniciou há 18 anos, cobrando indenizações para as famílias das vítimas do naufrágio do Bateau Mouche, no réveillon de 1988.

¿ Literalmente, nada aconteceu neste tempo todo. E o pior: no fim de tudo, quem acabará arcando com as despesas é a União, o contribuinte ¿ lamenta.

Dois relatores de um dos recursos já se aposentaram

Os processos indenizatórios, juntos, formam um dos casos mais duradouros da Justiça brasileira. Em quase duas décadas, as ações se arrastaram, detidas por toda a sorte de recursos. Amarante disse que um deles, um recurso especial distribuído em 1998 ao Superior Tribunal de Justiça, já passou pelas mãos de dois relatores que se aposentaram (os ministros Nilson Naves e Antônio de Pádua Ribeiro) antes de chegar a Ari Dargendler, relator desde 2005.

Na lista de casos notórios, o Bateau Mouche ¿ um conjunto de 20 ações cujo valor das indenizações por danos materiais pode chegar a R$6 milhões ¿ só é superado pela disputa do patrimônio deixado pelo empresário Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Mello, o Chatô, morto em 1968. A família luta contra os condôminos que restaram dos ¿Diários Associados¿.

O advogado dos herdeiros, Fredímio Trotta, explicou que Chatô fez, em 1959 e 1962, duas escrituras de doação, nas quais manifestou a vontade de deixar o seu império de comunicação para 22 condôminos, de forma a não fragmentar o grupo:

¿ Não foi uma doação incondicional. Ele não queria que os donatários usassem a organização para fins econômicos. Seu objetivo era promover a elevação do nível educacional, artístico e espiritual do povo brasileiro.

Fredímio disse que a disputa começou em 1973, quando um dos filhos, Gilberto Chateaubriand, ajuizou o primeiro processo. Mas o advogado só assumiu o caso nos anos 90, quando seu escritório descobriu o inventário de Chatô, sem conclusão, no Museu da Justiça de Niterói.

¿ O mais incrível é que ele estava lá sem ter terminado, por motivos inexplicáveis.

Depois de convencer os três herdeiros (Gilberto, Teresa e o espólio de Fernando Antônio, já falecido) a se unirem, o escritório de Trotta abriu outras frentes judiciais. Numa delas, cobra dos 22 donatários do condomínio dos Diários Associados R$200 milhões recebidos como indenização da Rádio Clube de Pernambuco, pela cassação, no governo João Figueiredo, do canal pertencente ao grupo.

Mais uma vez, como vem ocorrendo em toda a disputa, recursos judiciais impedem que este segundo processo seja concluído. Os próprios advogados dos herdeiros, recentemente, entraram com uma exceção de suspeição para tentar afastar dois desembargadores da 8ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça, encarregados de julgar o caso.

O caso Bateau Mouche repete a briga pelo espólio de Chatô: idas e vindas pelos tribunais sem uma decisão de mérito. Além da União Federal, são réus no processo a agência da viagens Itatiaia Turismo e 11 sócios da Bateau Mouche Rio Turismo Ltda, dona da embarcação. Em alguns processos, foi incluída a empresas Cavalo Marinho, do restaurante Sol & Mar

Na ação criminal, só dois sócios da Bateau Mouche, o espanhol Faustino Puertas Vidal e o português Álvaro da Costa, foram condenados por formação de quadrilha, falsificação de documentos e sonegação. Mas não chegaram a cumprir a pena de quatro anos de prisão, pois conseguiram fugir para a Espanha.

Na área cível, a história se repete. Quase 20 anos depois, nenhuma indenização foi paga às vítimas do naufrágio.

¿ A segunda tragédia do caso é a atuação do Judiciário ¿ queixa-se o advogado.

Único processo julgado não teve indenização fixada

Leonardo Amarante disse que o único processo que transitou em julgado (decisão final, sem mais recursos) favoreceu as famílias dos funcionários da agência de turismo:

¿ Foi reconhecida a indenização cabível, mas o juiz não fixou o valor. Isso exige praticamente uma ação nova. O problema é que a Itatiaia faliu e desapareceu do mapa.

Só uma perícia aguarda conclusão há quase oito anos. Para o advogado, quanto mais o tempo passa, menores são as chances de cobrança.

¿ Isso não é excesso de recursos. É vergonha mesmo ¿ lamenta Amarante.