Título: Decisão sobre cotas nos EUA repercute no país
Autor: Lamego, Cláudia
Fonte: O Globo, 30/06/2007, O País, p. 12

Para especialistas, ação da Suprema Corte americana contra ações afirmativas será usada como argumento no debate.

A decisão da Suprema Corte americana, que, por cinco votos a quatro, considerou ilegais as chamadas ações afirmativas em escolas dos Estados Unidos, deve repercutir no debate sobre cotas para negros no Brasil. A professora de educação da Universidade Federal de Juiz de Fora Azuete Fogaça acha que a decisão servirá de argumento para os que são contra tais ações:

- Acho importante que acompanhemos o que acontece por lá. Mas isso não significa que devemos adotar tais argumentos, porque o contexto da sociedade americana é diferente. Lá, o racismo é uma questão aberta, discutida. Mas é claro que o assunto vai influir no debate aqui, e se transformar num reforço à campanha daqueles que se colocam contra as ações afirmativas - diz a professora.

O sociólogo Simon Schwartzman, presidente do Instituto de Estudos do Trabalho e da Sociedade, ressaltou um ponto da decisão da Corte dos EUA que considera essencial: a proibição da identificação individual dos alunos por raça. Schwartzman, que é a favor de políticas afirmativas, só não concorda com a classificação por raças.

- Eu acho prejudicial essa questão de o Estado ou uma universidade poder dizer "você é da raça tal ou tal". Essa questão, que está na decisão, é importante para o debate brasileiro. Eu defendo as ações afirmativas, que propiciam oportunidades melhores para grupos sociais ou setores da sociedade. Mas sou contra a marcação das pessoas em termos raciais. Acho que o critério socioeconômico é mais justo. Também sou favorável a políticas contra a discriminação, mas sem precisar dar carteirinha de branco ou de preto para ninguém - conclui.

"É uma decisão que nos fará refletir"

José Carlos Miranda, coordenador do Movimento Negro Socialista, disse que medidas não raciais de integração seriam mais eficazes para acabar com as desigualdades. Ele reconhece que o movimento nos Estados Unidos passa pelo conceito de raça, mas, ainda assim, acha que a segregação é prejudicial:

- É uma decisão que nos fará refletir porque aconteceu nos Estados Unidos, país que adotou políticas afirmativas durante muitos anos. Lá, faz um certo sentido que a luta pela igualdade social acabe passando pelo viés do conceito de raça. As comunidades lá são segregadas. Existem os guetos dos brancos pobres, dos negros pobres, dos latinos. Mas acho que é a renda que separa mais as pessoas.

Miranda, que é contra as cotas raciais, considera que há racismo no Brasil. Mesmo assim, diz ele, o país não tem uma história de leis segregacionistas, como é o caso dos Estados Unidos.

- No Brasil também existe racismo. Mas aqui, diferentemente do que aconteceu lá, nunca adotamos uma legislação com base racista, pelo contrário, o país sempre adotou posição para repudiar. Lutamos contra isso no Brasil. O perigo do gueto é a segregação aumentar, se espalhar. E, para combatê-la, o caminho é, como apontou um dos juízes, investir nos serviços públicos. É melhor ter mais escolas e mais vagas que separar os alunos por raça. E isso se aplica ao Brasil também. Todos têm que ter acesso.

Azuete Fogaça diz que o que a surpreendeu na decisão foi o fato de que ainda se discutam sobre vagas nas escolas americanas para o ensino fundamental:

- O que estranhei é que não haja garantias para o acesso de todas as crianças ao ensino fundamental num país que é um dos pilares do Estado moderno.