Título: Entre o trabalho e a desordem
Autor: Ordoñez, Ramona
Fonte: O Globo, 30/06/2007, Economia, p. 33

Com aprovação de nova usina, Angra comemora geração de empregos, mas teme favelização.

Anotícia de que o governo federal aprovou a construção da usina nucelar Angra 3 foi recebida pelos habitantes do município de Angra dos Reis, no sul do Estado do Rio, com otimismo pela perspectiva de geração de milhares de empregos, mas também com muita preocupação com o risco do aumento da favelização, que a migração de trabalhadores de outras regiões poderá provocar. Esse temor pode ser percebido nas conversas com a população nas ruas da cidade. A prefeitura, dirigentes de associações do comércio, órgãos ambientais e políticos também mostraram receio.

O prefeito de Angra dos Reis, Fernando Jordão (PMDB), explica que, pela topografia da região, a população cresceu nos morros. Jordão teme que a obra, como ocorreu no passado, provoque uma ocupação desordenada, um problema grave no município rodeado de montanhas.

Para Jordão, já que a construção da terceira usina nuclear na região é inevitável, deve servir para o governo federal pagar uma dívida socioambiental com Angra. Segundo ele, ao longo dos anos, o município não teve qualquer benefício com os grandes projetos feitos no local. O prefeito acha que a cidade deve agora reivindicar melhorias na infra-estrutura para a região, que sofreu o impacto ambiental negativo de obras como o antigo estaleiro Verolme (Brasfels), o terminal da Petrobras, as duas usinas nucleares e as obras da rodovia Rio-Santos.

- Existe uma dívida socioambiental muito grande do governo federal com o município. Na época de Angra 1 e Angra 2, não pensaram na infra-estrutura local, em habitação, escolas, hospitais. Nada foi feito. Isso não pode acontecer novamente - disse o prefeito.

Com anúncio de obra, procura por emprego

O presidente do Sindicato do Comércio Varejista de Angra, Essiomar Gomes, disse que já nos dias seguintes ao anúncio das obras de Angra 3 começou a receber muitas consultas de pessoas de outras regiões em busca de emprego. Gomes também defende que parte dos recursos de compensação ambiental seja usada na melhoria da infra-estrutura local.

- Estamos preocupados com a ocupação desordenada, como já ocorreu em muitos bairros, como Grande Japuíba, Perequê e Frade - disse Gomes, que nasceu no Maranhão e chegou a Angra nos anos 80, atraído pelas oportunidades de emprego oferecidas pelas obras das duas primeiras usinas.

A Eletronuclear, estatal que controla as usinas nucleares no país, estima que as obras de Angra 3 vão gerar nove mil empregos diretos no pico e outros 15 mil indiretos. A empresa já se comprometeu a dar prioridade à mão-de-obra local.

Segundo o secretário-executivo da ONG Instituto Socioambiental da Baía de Ilha Grande (Isabi), Ivan Marcelo Neves, vários bairros que surgiram em função das obras de Angra 1 e Angra 2 hoje são verdadeiras favelas - que tanto a prefeitura como as ONGs chamam de áreas de ocupação desordenada. Próximo às usinas, surgiu o bairro do Frade, que não tem tratamento de esgoto e é uma área toda de ocupação, segundo Neves. A pobreza do bairro contrasta com a riqueza do condomínio do Frade.

Neves também diz que, se Angra 3 é inevitável, é preciso lutar para que recursos sejam aplicados na melhoria do município, que teve um dos maiores crescimentos populacionais nas últimas décadas, passando de 20 mil habitantes nos anos 20 para mais de 140 mil atuais. A prefeitura calcula que cerca de 35% da população vivem nos morros, dos quais 15% são de baixa renda: 7.300 pessoas. Já a Isabi calcula que metade da população vive nos morros, devido à topografia da região, sendo cerca de 30 mil de baixa renda:

- É preciso lutar para termos recursos para melhorar as condições ambientais e sociais. Todo esgoto de Angra é jogado nos rios e no mar. E a ocupação desordenada é grande.

O pescador aposentado Carmo Pereira da Cruz disse estar dividido: de um lado, sabe que a construção da usina vai trazer empregos para Angra, onde ele nasceu. Mas ele também se mostrou preocupado com a forte migração que acontecerá, e com os rejeitos gerados pelas três usinas.

- Não fiquei muito animado, não. A gente fica dividida, porque vai trazer mais empregos. Mas também vai vir muita gente para cá, e muitos não vão embora depois, vão ficar nesses morros. Aqui já começa a ter muita violência, e pode aumentar - disse Cruz.

A prefeitura, entidades de classe e órgãos ambientais estão reivindicando que o Ibama destine 2% dos investimentos na construção, que custará R$7,2 bilhões, para obras de infra-estrutura no município, como forma de mitigar os impactos negativos do projeto. Pela legislação, o valor mínimo dessa compensação ambiental é de 0,5% do valor dos investimentos, que não é necessariamente aplicado na região do projeto.

- O grande problema da obra é a migração que provoca. Temos que criar condições para que as pessoas desempregadas da região tenham condições de ficar com a maior parte dos empregos que serão gerados - disse Jordão.

Outros moradores de Angra, como o carpinteiro Paulo José Nóbio - que trabalhou nas obras das duas primeiras usinas -, estão otimistas com Angra 3 e a possibilidade de trabalho.

- Eu torcia para que a obra saísse. Estou entusiasmado, quero voltar a trabalhar na obra e me aposentar lá - disse Nóbio.

Mas nem todos aprovaram a construção da terceira usina. Entre os 11 vereadores do município, Odir Plácido Duarte (PMDB) é radicalmente contra. Segundo ele, a região não tem infra-estrutura nem para prestar socorro em eventual acidente nas duas primeiras usinas, muito menos com três centrais nucleares:

- A usina está sendo empurrada pela goela abaixo da população. Os governos não cumpriram nada do que foi prometido em relação às duas primeiras. Não tem um plano de emergência eficiente, as rodovias são precárias.

ACIDENTES EM USINAS NA ALEMANHA ATRAPALHAM ACORDO COM O BRASIL, na página 34