Título: Nova safra de investigados
Autor: Brígido, Carolina e Braga, Isabel
Fonte: O Globo, 02/07/2007, O País, p. 3

Entre 242 deputados eleitos no ano passado, 28 já respondem a ações e inquéritos no STF.

Ociclo vicioso formado pelo foro privilegiado e a lentidão das investigações no Supremo Tribunal Federal (STF), resultando em garantia quase total de impunidade, ganha novos personagens a cada eleição: dos 242 deputados federais eleitos ano passado que não tinham mandato na legislatura anterior, 28 já respondem a ações penais e inquéritos no STF, de acordo com levantamento do GLOBO. Significa dizer que 11% dos calouros e dos políticos que retornaram à Câmara nesta legislatura estão se beneficiando de foro privilegiado e, provavelmente, mesmo que sejam culpados, jamais serão condenados. Isso porque a mais alta corte do país, além de estar abarrotada de trabalho, nunca condenou alguém.

Ações e inquéritos contra os novatos da Câmara têm sido encaminhadas ao STF desde novembro do ano passado, quando os parlamentares foram diplomados nos cargos e, com isso, ganharam direito ao foro privilegiado. Quase todas as investigações já estavam abertas em instâncias inferiores do Judiciário e foram transferidas para o órgão após o resultado das eleições. O número de ações e inquéritos cresce a cada dia: o STF recebe pelo menos um caso contra parlamentar por semana.

A transferência das ações de varas e tribunais de Justiça de todo o país para o STF dá aos parlamentares mais chances de serem agraciados com a impunidade. A demanda é grande demais para os 11 ministros do Supremo. Por ano, o tribunal recebe cerca de 100 mil ações, que são distribuídas entre 10 ministros - o presidente não pode ser escolhido para relatar ações.

Hoje, o número de inquéritos que tramitam na corte contra novos deputados está em 61. As ações penais já somam 13. O último caso protocolado no STF foi uma ação penal contra o deputado Alceni Guerra (DEM-PR) que chegou à corte sexta-feira. Trata-se de crime contra a fé pública, em que o parlamentar é investigado sobre falsificação de documento. O deputado, aliás, é um dos que acumulam ações no STF: responde a dois inquéritos e dois processos.

Entre os calouros, quem desponta com mais inquéritos no STF é o deputado Neudo Campos (PP-RR), ex-governador de Roraima. Ele responde a 12 investigações, das quais 11 tratam de crime contra a administração pública, peculato e formação de quadrilha. Neudo não foi localizado para comentar sua situação.

Acusado deveria ser inelegível, diz ONG

O presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Marco Aurélio Mello, que também é ministro do STF, considera preocupante o alto percentual de novos deputados que devem explicação à Justiça. Entretanto, ponderou que o fato de responder a inquérito não implica culpa.

- Isso é péssimo, mas é uma simples sinalização. Sem a culpa formada, não se pode execrar ninguém. Os escolhidos pelo povo devem ter um perfil ilibado. Mas não podemos condená-los de forma açodada. Temos que aguardar a decisão judicial - afirma o ministro.

Já a ONG (organização não-governamental) Transparência Brasil, que fiscaliza a conduta dos parlamentares, tem posicionamento mais rígido. O diretor-executivo da instituição, Cláudio Abramo, defende que pessoas sob investigação sejam impedidas de disputar eleições.

- O perfil dos novos congressistas é idêntico ao dos reeleitos. Há vários larápios, e a culpa é também dos partidos, que aceitam qualquer um como filiado. Vários deputados novos procuraram se eleger para transferir seus processos para o STF. Quem responde a inquérito deveria ser inelegível - disse Abramo.

O segundo lugar na lista dos eleitos mais investigados em inquéritos é Paulo Maluf (PP-SP), com seis. Desse total, três tratam de crime contra o sistema financeiro, um de crime de responsabilidade por suposto desvio de verba pública quando era prefeito de São Paulo e um suposto caso de crime contra a honra. Sobre o sexto, que é sigiloso, o STF não fornece detalhes. Também figuram na lista de quem mais acumula ações no STF Clodovil Hernandes (PTC-SP), com seis inquéritos e um processo; Abelardo Camarinha (PSB-SP), com quatro inquéritos e um processo, e Cássio Taniguchi (DEM-PR), com quatro inquéritos e dois processos.

O líder do PSOL, deputado Chico Alencar (RJ), apresentou na legislatura passada projeto de lei que impede a candidatura de quem responde a processo por crimes graves, como tráfico, homicídio e latrocínio. Para ele, a limitação de candidaturas é importante para evitar que se busque o mandato como forma de adiar o julgamento.

- Quem se candidata nessa condição já mostra uma certa debilidade de caráter. Cair no Supremo é a certeza de que a punição, se vier, ficará bem distante - diz Alencar.