Título: Pagar antes pode custar caro
Autor: Beck, Martha
Fonte: O Globo, 02/07/2007, Economia, p. 13
Bancos dificultam quitação antecipada de empréstimo, com taxa e ameaça de cortar serviços.
Aelevada oferta de crédito no mercado e as facilidades para que os clientes bancários troquem de instituição quando recebem propostas de financiamento mais barato acabaram provocando uma verdadeira guerra neste setor. Para manter o cliente no banco, instituições têm dificultado a quitação antecipada de empréstimos. Nessa briga, vale cobrar taxas elevadas e até mesmo ameaçar cancelar o cheque especial de quem quer pagar o que deve antes do prazo.
Segundo Dinah Barreto, assistente de direção do Procon de São Paulo, a prática mais comum entre os bancos é cobrar taxas elevadas, que podem chegar a R$5 mil, para a quitação antecipada do financiamento, o que faz com que o devedor não tenha estímulo para sair daquela instituição. Ela lembra que, além da grande oferta de crédito e da concorrência bancária, as instituições impõem dificuldades ao pagamento antes do prazo porque querem que o cliente pague pelos custos de captação do dinheiro que é utilizado para os empréstimos.
- Os bancos oferecem empréstimos com recursos que são captados no mercado e querem evitar perdas com juros na hora em que os clientes decidem quitar seus empréstimos antecipadamente. Mas isso é injusto. O cliente deve apenas pagar o que deve com juros proporcionais, como determina o Código de Defesa do Consumidor - afirma Dinah.
Número de queixas subiu de 35 para 224
Segundo dados do Banco Central (BC), as reclamações contra instituições por conta de quitação antecipada de empréstimos saltaram de 35, em março de 2006, para 224, em março deste ano, ou seja, mais de seis vezes. Os campeões de reclamações em março foram os conglomerados BIC, BMC e J. Malucelli.
Pelas regras do BC, as instituições são obrigadas a deixar claro nos contratos as regras para a quitação antecipada dos empréstimos, incluindo os juros proporcionais e as taxas adicionais. Já os órgãos de defesa do consumidor consideram a cobrança de tarifas por quitação antecipada irregular e vêm brigando para eliminá-la dos contratos.
- O banco tem que tratar o cliente com clareza. Ele não pode obrigar o cliente a fazer nada ou impor a compra de forma casada - alerta o chefe-adjunto do Departamento de Normas do Sistema Financeiro do BC, Sérgio Odilon.
A técnica em documentação Maria da Glória Cruz, por exemplo, fez em empréstimo consignado (com desconto em folha) de R$5 mil no Banco BMG, em julho do ano passado, para reformar sua casa. A idéia era pagar o financiamento em 24 vezes, mas Maria da Glória resolveu quitar logo a dívida depois que vendeu seu carro. Ela já tinha pago dez prestações. Começou, então, uma verdadeira saga para concluir o processo.
- Eu não tinha nem cópia do contrato e quando pedi ao banco, eles exigiram uma série de cópias de documentos para entregá-la. Também cobraram-me uma taxa de R$283 que ninguém no serviço de atendimento do banco sabia explicar - conta ela.
Essa era a taxa por quitação antecipada. No entanto, o contrato, que só chegou para a cliente quase um mês depois do pedido de quitação, dizia apenas que havia previsão de uma taxa por quitação antecipada cujo percentual constava em tabelas afixadas nas agências do banco BMG.
- Dificultaram muito a minha decisão de quitar o financiamento antes do prazo - queixa-se Maria da Glória.
Mercado favorável à migração de clientes
O banco BMG informou, por meio de nota, que a quitação do empréstimo de Maria da Glória foi feita no prazo considerado normal.
A Federação Brasileira de Bancos (Febraban) informou que as instituições têm seguido as orientações do Banco Central e que o aumento das reclamações não está relacionado à portabilidade do crédito no país, uma vez que foram poucos os casos de clientes bancários que solicitaram a troca de financiamento de um banco para outro até agora. Segundo a Febraban, foram cerca de 500 pedidos desde que medida entrou em vigor no início deste ano.
Mas essa não é avaliação da advogada especializada na relação entre clientes e bancos, Alessandra Koszura. Ela afirma que o mercado de crédito no país está favorável à migração de clientes de uma instituição para outra. Ela alerta ainda que, além da cobrança de taxas elevadas, os bancos têm práticas - como ameaçar cancelar serviços - que podem ser adotadas dependendo da política de cada instituição.
- Infelizmente, tudo depende da política do banco. Ele é o credor e está definindo como quer receber seus recursos - afirma Alessandra.