Título: Cinco frutos de uma criação privilegiada
Autor: Moreira, Jaciara
Fonte: O Globo, 01/07/2007, Rio, p. 24

Agressores estudavam em universidades particulares e freqüentavam bares da Barra.

Estudantes de universidades privadas, freqüentadores de academias, bares e boates da moda na Barra, os cinco acusados da agressão à doméstica Sirlei Dias e a outras mulheres compartilham o estilo de vida de muitos jovens da classe média do bairro. Nos perfis que mantinham no portal de relacionamentos Orkut, já apagados, abundavam referências a confortos e à criação privilegiada que tiveram: festas em coberturas, férias na Austrália, diversão em clubes e raves. Além de associações menos glamourosas a comunidades que falam de abuso de álcool, violência e misoginia. As investigações da polícia mostraram que os jovens teriam, na verdade, uma vida dupla: são suspeitos de assalto, outras agressões e até tráfico.

Com a prisão, poucos amigos manifestaram apoio público. Os que o fizeram sofreram as mesmas ofensas e ameaças destinadas aos acusados e seus parentes. Amiga de Rodrigo dos Santos Bassalo da Silva, o Big Head, de 21 anos, uma jovem que pediu anonimato contou ter apagado as fotos e os recados de sua página, depois de ser alvo da ira dos internautas. Disse temer por sua integridade física.

¿ Rodrigo é generoso, carinhoso. Não tenho por que renegar a amizade, embora condene o que fez. Acho que essa repercussão toda é descontrolada. Parece que de repente eles viraram os maiores vilões do país ¿ disse a estudante, moradora do condomínio onde vivem quatro dos cinco acusados.

Como a amiga, os dois irmãos e a namorada de Rodrigo apagaram seus perfis, assustados com a quantidade de ameaças que sofreram. No seu próprio perfil no Orkut, o acusado se definia como ¿marrento¿ e admitia consumir álcool excessivamente. Apesar disso, uma colega de faculdade o descreveu como ¿um cara legal¿ e um ¿bom aluno¿, embora ¿não exatamente superestudioso¿. Ele cursa o último período de turismo na Universidade Estácio de Sá.

Também na Estácio estudam Júlio Junqueira Ferreira, 21 anos, aluno de gastronomia; e Rubens Pereira Arruda Bruno, de 19, que cursa direito. Apesar da coincidência, foi no Parque das Rosas que eles se aproximaram. Júlio é de outro condomínio, mais afastado, o Park Palace, mas freqüenta os bares do Rosa Shopping.

Anteontem, ele foi acusado de tráfico por dois moradores do Parque das Rosas, em depoimento na 16ª DP. Segundo a denúncia, um quiosque que ele tem na Avenida Lúcio Costa ¿ e está à venda ¿ é ponto de encontro de usuários. A polícia vai investigar as alegações.

No edifício onde mora, Júlio é descrito como um rapaz ¿muito gentil e educado¿ por um morador e um funcionário. Desde a prisão, a família dele é a mais discreta e a que menos apareceu na delegacia e na Polinter. A mãe tem atendido às ligações do celular do rapaz, mas desligou quando um repórter do GLOBO se identificou.

O pai de Rubens, o empresário Ludovico Ramalho Bruno, ao contrário, tem defendido o filho com freqüência. Ele lamenta o ¿linchamento¿ a que foi submetido depois de chamar os acusados de ¿crianças¿ e sugerir que a Justiça devesse mantê-los em liberdade. Ele mora com o filho há alguns meses na Barra. Rubens foi criado na Ilha do Governador, onde deixou amigos. E outros tantos detratores.

¿ O Rubens é manjado no Jardim Guanabara. Sempre andou com um grupo de moleques que toca terror na vizinhança. Aprontou tanto, entre brigões e usuários de drogas, que os pais o levaram para a Barra ¿ diz um morador.

¿ Ele sempre foi legal com a rapaziada. Prova disso é que um camarada daqui o abrigou quando ele estava sendo procurado. Se não fosse fiel, quem se arriscaria por ele? ¿ argumentou outro.

Ambos concordam que a família dele é conhecida na Ilha. Ludovico, de fato, foi candidato a deputado estadual duas vezes, segundo o Tribunal Regional Eleitoral. Na primeira, em 1990, teve 1.881 votos pelo Partido Trabalhista Cristão (PTC). Na segunda, em 1994, pelo Partido Progressista (PP), obteve 4.625 votos, sem se eleger. Ele não quis comentar o assunto.

¿ Quero me expor cada vez menos. Emagreci seis quilos em uma semana. Eu e minha família estamos sofrendo muito ¿ lamentou.

Quem também se queixa do terremoto que a prisão dos rapazes provocou na vida das famílias é o pai de Leonardo Pereira de Andrade, de 19 anos, técnico de informática. O empresário Sérgio Andrade afirmou que se consola ao saber que o filho não participou das agressões, embora tenha ¿debochado¿ delas. Ele descreveu o filho como um ¿menino tranqüilo¿, próximo das três irmãs e sem histórico de confusões:

¿ Tenho a minha consciência tranqüila, sei que fiz o que podia pela educação dele. Minhas filhas e eu estamos preocupados em dar conforto a ele, não julgar. Condenação ele já tem do país todo.

Do país e da vizinhança. Segundo uma moradora do edifício California Park, onde vivem uma ex-namorada de Leonardo e outro acusado, Felippe de Macedo Nery, de 20 anos, estudante de administração na Gama Filho, os dois estão entre os ¿arruaceiros¿. Um porteiro, que pediu para não ser identificado, afirmou que eles fazem pegas e atacam transeuntes com latas e até cocos. A família de Felippe, diz o funcionário, é uma das mais abastadas do prédio. Eles vivem na cobertura. De acordo com seu padrasto, Felippe sofre de transtorno por déficit de atenção e hiperatividade e toma remédios de uso controlado. Um tio-avô de Felippe, Laílson Macedo Nery, contou que seu irmão, avô do rapaz, se preocupava com as companhias dele:

¿ Meu irmão morreu há dois anos. Ele falava coisas que o Felippe fazia, sobre a preocupação que tinha com o neto.

A família de Felippe não foi localizada para comentar as declarações.

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