Título: Novo risco global
Autor: Scofield Jr., Gilberto e Rodrigues, Luciana
Fonte: O Globo, 01/07/2007, Economia, p. 27

TESTE DO CAPITALISMO

Após 10 anos da crise, mundo depende mais da expansão asiática e China preocupa.

Primeiro, foi o baht tailandês. Em seguida, Malásia, Indonésia, Filipinas e até Coréia do Sul, o mais vibrante dos Tigres Asiáticos. Uma a uma, como um castelo de cartas, foram à lona as moedas de países até então apontados como exemplos de sucesso, estremecendo mercados financeiros do mundo todo. Uma década após a crise de 1997 - que veio à tona em 2 de julho daquele ano, quando o governo tailandês desistiu de proteger sua moeda - a Ásia é de novo a região que mais cresce no planeta. E, também, a que mais suscita temores de uma nova crise de proporções globais.

Economistas que estudam a região vêem semelhanças entre o otimismo com o Sudeste da Ásia nos anos 90 e a atual euforia com a China. E também vêem riscos no excesso de dinheiro que inunda os mercados internacionais.

- A questão não é se a China terá uma crise financeira, mas sim quando isso ocorrerá e qual será seu impacto na economia real - afirma o americano Michael Pettis, professor de Finanças da Universidade de Pequim.

Gilberto Dupas, presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI), lembra que hoje a economia global depende da Ásia "muito mais intrinsecamente" do que em 1997.

- A China e, em certa medida, a Índia se tornaram sócias do capitalismo global e são indispensáveis nas cadeias produtivas mundiais da indústria e dos serviços - explica Dupas, que também é coordenador-geral do Grupo de Conjuntura Internacional da USP.

Crescimento da China é insustentável

Segundo Dupas, o crescimento chinês, que tem superado os 10% anuais, é insustentável, porque, no limite, sequer haverá recursos naturais disponíveis no planeta para manter o ritmo acelerado de um país com 1,3 bilhão de habitantes. Por isso, ele vê como provável, em dez ou 15 anos, uma crise de proporções razoáveis. Dupas lembra que os ataques especulativos de 1997 foram "um teste de capitalismo" para a Ásia.

- As crises fazem parte da lógica da destruição criativa do capitalismo. E a Ásia passou por esse teste - diz Dupas, lembrando, porém, que a China ainda não foi testada.

Pettis teme pela fragilidade do sistema bancário e das contas públicas chinesas. Mas há quem acredite que o país não perderá o fôlego.

- A China continuará a ser um motor da economia mundial. As perspectivas de um desaquecimento radical são pequenas - diz Fan Gang, membro do Comitê de Política Monetária do Banco Popular da China, o BC do país. - As reformas econômicas, as privatizações, a abertura para o capital estrangeiro e os investimentos em educação e tecnologia manterão o país aquecido por anos.

A China, aliás, foi a única economia da região a passar incólume pela crise financeira de 1997. E, após o colapso cambial de vários vizinhos, foi ela quem ajudou a levantar a Ásia, com sua máquina exportadora que usa insumos e componentes eletrônicos produzidos pelos países asiáticos, destaca o economista-chefe do banco UBS na região, Jonathan Anderson.

Ao mesmo tempo que o vigor da China impulsiona a economia regional e do planeta, a euforia com o país preocupa.

- Em 1997, a Ásia era o lugar onde tudo era possível. Falava-se que o século XXI seria o século do Pacífico, que a era de Europa e Estados Unidos teria chegado ao fim. Era uma autoconfiança completamente deslocada da realidade. Temos isso hoje na China e um pouco na Índia - diz Hellmut Schütte, professor do Insead em Cingapura.

Schütte lembra, porém, que a crise de 1997 foi basicamente financeira, gerada por apostas arriscadas dos investidores e por má gestão de dívidas das empresas. Não à toa as companhias e as economias nacionais se recuperaram rapidamente, pois tinham bons fundamentos.

Mas, no auge da crise, ninguém imaginaria uma pronta recuperação. Os ataques especulativos surpreenderam pela intensidade e a rapidez do contágio. E marcaram a História como o primeiro abalo sísmico da fase mais intensa da globalização, quando quase todas barreiras aos fluxos de capital haviam sido derrubadas e as crises alcançaram a velocidade da internet.

Os "Tigres Asiáticos" (Hong Kong, Cingapura, Taiwan e Coréia do Sul) e também os "tigrinhos" (Malásia, Tailândia e outros) rapidamente viraram "micos" para os investidores, que sacaram US$200 bilhões da região entre 1997 e 1998, causando quebradeira de empresas e profunda recessão. As moedas nacionais perderam ao menos metade de seu valor. A rupia, da Indonésia, chegou a custar, em dólar, menos de um quinto do que valia antes da crise. A onda de temor financeiro chegou ao Brasil em janeiro de 1999. Foi a vez de o real ir à lona.

Ficou uma amarga lição para os países emergentes: a combinação de déficit externo e câmbio controlado é um convite à especulação. A receita para sair da crise variou, mas todas as economias da região decidiram acumular montanhas de reservas internacionais, que juntas somam US$3,3 trilhões.

- Desde então, os países da região vêm montando agressivamente um colchão de reservas, mas isso tem um custo - diz Alan K. F. Siu, professor da Universidade de Hong Kong.