Título: Reservas e saldo comercial protegem Brasil, mas contas públicas preocupam
Autor: Rodrigues, Luciana e Scofield Jr., Gilberto
Fonte: O Globo, 01/07/2007, Economia, p. 28

TESTE DO CAPITALISMO: Dependência das "commodities" é um ponto fraco.

Em caso de choque externo, superávit fiscal do país pode virar déficit.

RIO e PEQUIM. Sétima maior reserva cambial do mundo, saldo comercial que bate recorde há quatro anos e a perspectiva de que, até 2008, o país vire investment grade, ou seja, tenha a chancela de porto seguro para investimentos. A economia brasileira de hoje em nada se parece com a de 1997, quando o país amargava um déficit nas suas contas externas de 3,5% do PIB e torrava reservas para manter o câmbio controlado que segurava a inflação.

Porém, os avanços da última década não deixam o país imune ao risco de uma crise internacional. Um golpe, dizem os analistas, poderia atingir a economia brasileira no seu flanco ainda frágil: as contas públicas.

- Se houvesse uma crise como a de 1997, não seria aquele desespero de estar faltando dólar, de ter que ir ao FMI, como foi na época. O problema seria apertar os cintos no setor público. Os juros subiriam, a economia cresceria menos e a arrecadação cairia - diz Ilan Goldfajn, ex-diretor do Banco Central e hoje sócio da Ciano Investimentos. - Na área fiscal, fizemos pouco esforço. Se vier um choque externo, vamos passar de superávit (fiscal) para déficit rapidamente.

Goldfajn lembra que os gastos públicos cresceram muito e, por isso, seria difícil cortá-los em caso de crise:

- Por enquanto, só tem benesse, é Bolsa Família, bolsa dólar para exportador.

Exportações protegem contra fuga de capitais

Ele vê porém, avanços na área externa, como o colchão de reservas cambiais, hoje superior a US$140 bilhões. Nuno Camara, economista-sênior para América Latina do banco Dresdner Kleinwort, acrescenta que o regime de câmbio flutuante, adotado pelo Brasil em 1999, é um "pára-choque para qualquer crise". Além disso, o saldo comercial traz segurança:

- Em caso de um soluço, o investidor sabe que não vai haver uma fuga de capitais da noite para o dia porque há o fluxo de dólares do comércio.

Mais cético quanto à saúde das contas externas brasileiras, Gilberto Dupas, da USP, afirma que, do atual colchão de reservas internacionais do Brasil, cerca de US$30 bilhões são capital especulativo de curto prazo. Além disso, uma crise que tivesse como epicentro a Ásia e, mais especificamente, a China afetaria os preços das commodities, com forte impacto sobre as exportações brasileiras.

China é o maior consumidor mundial de alimentos

Segundo o Earth Policy Institute, de Washington, a China ultrapassou os EUA e hoje é o maior consumidor anual de carne, arroz, trigo, cimento, aço, minério de ferro e petróleo. É uma questão de poucos anos, dizem os economistas, até a China ultrapassar os EUA também no consumo de produtos de maior valor agregado, como computadores e carros. O mesmo caminho poderá ser trilhado por Índia e, em muito menor escala, Vietnã.

- O milagre asiático está de volta, mas com novos rostos. - diz Jonathan Anderson, do UBS na Ásia. - As economias mais ricas (Coréia do Sul e Cingapura) já se consolidaram. A China está no fim do seu processo de industrialização e caminha para uma escala de produção de maior valor agregado. O bastão então será passado para economias em ascensão, como Vietnã, Índia, Indonésia e Filipinas.