Título: Conscientização popular, temor da CIA no Brasil
Autor: Passos, José Meirelles
Fonte: O Globo, 01/07/2007, O Mundo, p. 36

Agência de espionagem dos EUA se preocupava com movimentos de alfabetização e com influência de Fidel nos anos 1960.

WASHINGTON. A palavra sintetizava em si mesma um conceito tão poderoso ¿ e, aparentemente, intimidador ¿ que, na hora de preparar um informe sobre a situação do Brasil, e da América Latina em geral, para a Casa Branca, em setembro de 1969, a CIA (Agência Central de Inteligência, dos Estados Unidos) a registrou mesmo em português: ¿conscientização¿.

E foi necessária uma longa frase para traduzir em inglês o seu significado, conforme se vê numa das milhares de páginas de documentos secretos liberados pela CIA terça-feira: ¿É um processo para tornar as pessoas política e socialmente conscientes, ao mesmo tempo em que elas são ensinadas a ler, e que foi desenvolvido primeiro no Brasil e se espalhou para outras partes da região.¿

Segundo a CIA, tal fenômeno ¿ o método de alfabetização criado pelo educador Paulo Freire ¿e abraçado no início dos anos 60 por militantes do Movimento de Educação de Base, que era patrocinado pela Conferência dos Bispos do Brasil e pelo governo Goulart¿ ¿ era uma forma de se alcançar uma transformação revolucionária da sociedade.

¿Radicais e progressistas apóiam a `conscientização¿ como inestimável na preparação do caminho para mudanças estruturais básicas em suas sociedades, seja por meios violentos ou não-violentos¿, diz a análise, que, por vários anos, manteve o serviço de espionagem americano particularmente atento à vida política no Brasil.

Detalhes sobre o golpe de 1964 ainda são secretos

Os papéis dão a entender que analisar o Brasil não era muito fácil: ¿A vida política brasileira é muito complicada¿, diz um trecho de um deles. Detalhes mais específicos dos que já tinham se tornado públicos, sobre o golpe militar de março de 1964 no Brasil, ainda permanecem nos arquivos da CIA sob a tarja ¿Top Secret¿. Mas embora a nova quebra de confidencialidade de documentos não tenha trazido informações inéditas ¿ apesar de tratadas como segredo por tanto tempo ¿ a iniciativa exibe dados através dos quais se pode medir o nível de preocupação dos EUA com as lutas internas no Brasil, país que era então o mais cobiçado pelo Partido Comunista Soviético.

O comportamento de mais de uma dúzia de personagens da vida política nacional, e também do clero, está registrada em notas concisas ao longo de três documentos com pouco mais de 400 páginas ¿ nas quais se destacam várias tentativas de Fidel Castro em fomentar uma revolução armada no Brasil (inclusive antes da ditadura militar).

Prestes e Francisco Julião em campos opostos

Francisco Julião, que comandava as Ligas Camponesas no Nordeste, aparece com destaque nas observações da CIA. Ele surge basicamente como o pivô numa rixa entre Fidel e a União Soviética. Moscou preferia uma penetração comunista silenciosa no Brasil. O líder cubano discordava: para ele o processo tinha de ser à força.

Julião passou a ser, segundo a CIA, a única esperança de Fidel em exportar a Revolução Cubana para o território brasileiro. Um informe de novembro de 1963 diz que em fevereiro daquele ano, o chefe do Partido Comunista Brasileiro (PCB), Luiz Carlos Prestes, aparentemente obtivera garantias de Fidel de ¿assumir o compromisso de adotar uma posição pública mais moderada em relação à uma revolução no Brasil¿.

Prestes tinha ido à Cuba justamente para levar um recado do PC soviético à Fidel: ele deveria frear seu ímpeto e adotar uma política coordenada com Moscou, que não tinha tanta pressa. No entanto, Julião ¿ que acompanhara Prestes na viagem a Havana ¿ ouviu outra coisa do líder cubano: ¿Há um informe de que pouco depois Julião contou que Castro expressara a ele uma renovada convicção da necessidade de uma revolução armada no Brasil¿, diz o documento da CIA.

A agência, na época, apurou que Julião dissera a seus seguidores que Fidel prometera ¿contínuo apoio moral e material¿, pois estava convencido de que os planos do líder camponês ¿ que em seguida negociaria uma aliança com a facção dissidente PCdoB (Partido Comunista do Brasil) para iniciar a luta armada ¿ ¿representavam o método mais prático de assegurar uma revolução no Brasil¿. Prestes, segundo a CIA, tentou protestar contra tal ajuda ¿ assim que ela se materializou ¿, mas Fidel simplesmente se recusou a conversar com ele sobre isso.