Título: Eclyse e a meta
Autor: Goldfajn, Ilan
Fonte: O Globo, 03/07/2007, Opinião, p. 7

Na semana passada, fiquei impressionado com a foto de Eclyse, a filha de um cruzamento de uma zebra com um cavalo, cujo corpo tinha uma pelagem mista das mais curiosas. Cara da mãe, corpo do pai. Alguns pedaços inteiros listrados marcados aleatoriamente no corpo.

No Brasil, não temos Eclyse. Mas temos jabuticaba, e, agora, um ministro da Fazenda que defende o aumento da inflação no Brasil. Na última quarta-feira, após sua insistência, e com aval do presidente da República, o Conselho Monetário Nacional (CMN) aprovou a meta de 4,5% para 2009 (com intervalo de tolerância de dois pontos percentuais para baixo e para cima), quando vários analistas acreditam que é o momento de se reduzir a meta para 4%.

Em princípio, não há nada de errado em propor uma meta mais alta para a inflação no Brasil. Afinal, quanto mais folgado é o objetivo maior é o espaço a curto prazo para o Banco Central cortar os juros, com os benefícios que isso pode trazer (a curto prazo, também) para a economia real. Essa decisão transfere para o futuro o restante do esforço necessário para trazer a inflação do Brasil para níveis mais baixos, suavizando ao longo do tempo os custos da desinflação. O problema nesse caso é que a inflação se encontra em torno de 3,5% neste ano, e a maioria dos analistas espera (ou esperava?) que a inflação fique em torno de 4% nos próximos anos. Ou seja, a meta aprovada para o futuro é maior do que a inflação vigente no Brasil, na contramão do esforço de décadas e de vários governos. Nesse caso, transferir para o futuro o esforço de reduzir a inflação claramente não é vantajoso, já que é muito menos custoso manter a inflação no patamar atual (3,5%-4%) do que aumentá-la no presente para depois ter que elevar os juros para trazê-la de volta ao patamar anterior.

A resolução do CMN, na realidade, foi um pouco mais ampla. No voto do ministro da Fazenda, reproduzido parcialmente na imprensa, o BC fica autorizado a perseguir um objetivo menor. "A fixação da meta em 4,5% não significa, no entanto, que, se as condições macroeconômicas assim o indicarem, o Banco Central não possa perseguir um objetivo de inflação ainda mais reduzida." E ainda: "As metas de inflação de 2008 e 2009 devem ser vistas ainda como de transição em direção à meta de longo prazo, a qual julgo apropriado como sendo em torno de 4%, dadas as características da economia brasileira." Com esta redação, o Banco Central pode perseguir um objetivo de inflação menor do que o centro da meta nos próximos anos, o que permite uma trajetória de inflação mais suave e evita que o Banco Central venha a inflacionar a economia para perseguir a meta de 4,5%.

No entanto, nas entrevistas que o ministro da Fazenda concedeu no fim de semana, ele parecia não concordar totalmente com o seu voto. Por um lado, insistia: "Ele (o BC) tem que mirar os 4,5%." Por outro lado, afirmava: "Achar que eu quero mais inflação é besteira." Não reconhecia o óbvio (no melhor estilo do ministro da Informação iraquiano): que tinha estabelecido uma meta maior do que a inflação vigente. E, se o Banco Central mirar essa meta, há todas as chances de que a inflação vá subir no Brasil.

É claro que também há a chance de o Banco Central mirar uma meta maior de 4,5%, calibrar a política monetária nessa direção (ou seja, reduzir os juros para alcançar este objetivo), mas, devido a um choque positivo, acabar com uma inflação menor do que o planejado. É o limite das boas notícias: juros menores, e inflação menor também. Tudo graças ao acaso.

Em suma, o CMN aprovou uma meta acima da inflação vigente (e esperada para os próximos anos no Brasil), com o risco de inflacionar a economia e tornar mais difícil a vida de futuros governos que precisarão despender esforços para trazê-la de volta para os atuais patamares. Ao mesmo tempo, e em direção contrária, o voto que acompanha a resolução permite que o Banco Central persiga um objetivo menor do que o centro da meta e evite inflacionar a economia. Apesar de publicado, o ministro da Fazenda desmentiu o voto. Para conciliar tudo e todos, é necessária mais uma onda positiva no mundo que permita um objetivo mais folgado levar a uma inflação menor. Se tal não ocorrer, o mais provável é que o BC não inflacione a economia, mas isso só saberemos ao longo do tempo. Por enquanto, prefiro continuar olhando a Eclyse. A zebra-cavalo é mais uniforme.

ILAN GOLDFAJN é professor da PUC-Rio. E-mail: goldfajn@econ.puc-rio.br.